Assinalou-se hoje, um pouco por todo o ‘Mundo Ocidental’, o Dia do Veterano. Um dia destinado a lembrar os homens que, no passado, combateram em nome do Estado nacional.
Antepassados, todos, uns ainda vivos, outros já mortos, e muitos deles em combate, que deram testemunho e realizaram um serviço, muitas vezes em nome de ideais nos quais nem sequer acreditavam, com os quais nem sequer concordavam, mas que não deixaram de o fazer. Antepassados que não desertaram.

Já aqui o referi, várias vezes, que me enoja a forma como Portugal, os portugueses e, acima de tudo, o Estado Português trata os seus Veteranos. Nos último 10 de Junho – primeira vez em que os veteranos de guerra marcharam no desfile oficial do Dia de Portugal – escrevi AQUI sobre o assunto e citei AQUI as palavras de António Barreto – presidente da Comissão das Comemorações do Dia de Portugal – sobre a temática.

Bem pode dizer-se que não é um Dia do Veterano que vai dar a estes homens a dignidade e o reconhecimento que a Nação lhes deve. Mas se calhar ajudava. Porque enquanto houver alguém que se lembra deles e do seu exemplo eles continuam entre nós.
No tal ‘Mundo-Ocidental-que-não-ignora-os-seus-veteranos’, naquelas que a linguagem diplomática e os velhos manuais de Direito Internacional Público chamam de ‘Nações Polidas e Civilizadas’, hoje é Dia do Veterano porque em 11 de Novembro de 1918 se pôs fim e se assinou o Armísticio da Grande Guerra (que até haver uma Segunda era apenas a Grande Guerra). Portugal também esteve na Grande Guerra. Também na Grande Guerra morreram portugueses cujos nomes constam nas várias sedes de concelho do país em ‘pelourinhos’ a quem hoje já ninguém dá atenção. Esses podem estar longe, mas ainda estão perto e vivem entre nós homens que viveram a Guerra Colonial, alguns deles com fardos pesadissimos às costas, em sofrimento… em muito sofrimento e angustia!
E há os que não regressaram, ESTES, que estão enterrados no capim denso do cemitério ‘dos colonialistas’ de Mueda, em Moçambique. E dos quais já nem nos lembramos de reconhecer a justiça de obrigar o Estado que os levou vivos a trazê-los mortos.
Quando eu nasci, já o ‘Zé Domingos’ tinha morrido. O ‘Zé Domingos’ era primo direito do meu pai, o único filho do padrinho Zé Augusto e da Tia Maria Antónia. Morreu em Angola, já depois do 25 de Abril de 1974, e pouco tempo antes da declaração de independência de Angola, cujos 35 anos se assinalam daqui a 15 dias. Morreu na Guerra, assassinado à queima-roupa, quando a Guerra até já tinha acabado, pelo menos oficialmente. Morreu em Luanda porque era branco e estava fardado com o uniforme do Exército Português.
Na familia o ‘Zé Domingos’ é um herói. Há fotografias dele em vários locais das casas da minha avó, tanto na Mealhada como em Medelim. Nunca houve pudor em falar dele, excepto em frente aos pais, que ainda hoje sofrem pela morte do filho. Choram – dá-me a impresão que já sem lágrimas – quando olham para os sobrinhos e lembram o filho que não têm, quando olham para os sobrinhos-netos (todos rapazes) e vêm os netos que não puderam ter.
O ‘Zé Domingos’ está no cemitério de Medelim. Os meus avós ensinaram-me a dirigir-me à campa dele, desde criança, para que não se perca a informação do local onde está e quem é. Procuro repetir o gesto sempre que lá vou, numa rota de avanços e recuos por outras campas que nunca tiveram pedra nem nome e às quais me dirijo, respeitosamente, porque me ensinaram a fazê-lo. Sempre tive muita curiosidade sobre o ‘Zé Domingos’, do herói e do mito da familia e do homem por trás disso – e dos muitos defeitos que tinha e que muitos dos Canilhos co-herdaram. Mas nunca lhe disse Obrigado! E já devia tê-lo feito. Talvez em breve o deva fazer!
Obrigado Zé Domingos!
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