Morte

Os gregos antigos, os clássicos, acreditavam que o destino dos homens e dos deuses era tecido, enrolado e cortado por três irmãs, as Moiras, filhas de Zeus e de Nix, a deusa da Noite. Clótos tecia o fio da vida, fazendo nascer os homens. Láquesis enrolava o tal fio, definindo, com as suas voltas, o que seria a vida de cada um. E Átropos cortava o fio, pondo um fim à tal vida controlada. Cada uma destas irmãs era ajudada por mais três divindades, que isto de olhar por tanta gente não seria tarefa fácil. O filósofo holandês Espinoza dizia que “O homem livre, no que pensa menos é na morte”. Será verdade? Serão Láquesis e Átropos tão insignificantes para nós?

Nos momentos em que sofremos com o desaparecimento de alguém de quem gostamos – como é o caso do Dr. José Rocha – ou lembramos com saudade que já partiram – como Manuel Santos, Abílio Duarte Simões ou Liberto Maia, para não falar de familiares, naturalmente – não conseguimos deixar de pensar na fragilidade da existência e de chamar estúpida à morte, que tantas vezes surge, convenhamos, como um alívio.

Parece que nunca pudemos ser tão saudáveis como somos hoje, e no entanto parece que nunca estivemos tão doentes. Todos os dias sabemos de mais um caso de cancro, de mais um exemplo de sofrimento. E a pergunta surge: “Como é possível?”, “O que será que andámos a fazer uns aos outros? E a nós próprios?”.

Não é fácil arranjar ânimo para continuar e cada ida ao médico é mais uma angústia, porque, mesmo vivendo em Economia de Guerra, parece que subsistem pandemias, numa espécie de catastrófico estado global de Depressão.

Dizia-me um grande amigo, falecido em fevereiro e que faria anos na passada segunda-feira, que a Fé, mesmo estando ao alcance de todos, só chegava a quem abrisse o coração. Este amigo, sofredor como não pensei ser alguma vez possível, chamava “colegas” aos rostos que ia vendo, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, na quimioterapia do IPO em Coimbra. Na contabilidade de mais um que se juntava ao grupo dos colegas, somava-se a angústia e a dificuldade em aceitar “que calha a vez a todos…”.

Nascemos – e por isso nos alegramos com o nascimento do Miguel, da Bruna e do Alexandre, enquanto esperamos pela Marta, pelo Pedro ou pela Margarida -, vivemos e sofremos, na primeira vez que a Carolina vai à escola, ou quando o César vai estudar para Coimbra. Saudamos os sucessos e amparamos as angústias nos tropeções que só ensinam. Mas não conseguimos ser indiferentes à morte, à saudade, à perda. Elogiamos Cloto, percebemos Láquesis, mas não perdoamos a Átropos. Mesmo quando ela alivia e põe fim ao sofrimento.

“O homem livre, no que pensa menos é na morte”. Deve ser verdade, porque caso contrário, não conseguiriamos levantar-nos de manhã da cama. Mas estamos sempre a falar dela… quando vemos os telejornais, quando comentamos o estado do nosso país e as dificuldades que se esperam. Ouvia-se esta semana alguém, da oposição política dizer: “O Governo está morto!”. Outro dizia que “o país está morto!”.

Será verdade?

Editorial do Jornal da Mealhada de 26 de setembro de 2012