Ao ouvir os discursos do 10 de Junho, da passada segunda-feira, veio até mim a imagem da nau portuguesa de quinhentos, quase como metáfora da situação política portuguesa na actualidade. Ninguém acredita que os portugueses marinheiros fossem todos heróis embarcados em nome de um sublime altruísmo de dar novos mundos ao mundo, ou provar realmente a viabilidade de uma hipótese remota de encontrar novas terras ou novas rotas comerciais.
Terão embarcado alguns especialistas – astrónomos, matemáticos, marinheiros de facto – mas também muita ‘carne para canhão’, condenados, pessoas indiferenciadas. Perante uma viagem tão longa – a viagem de Vasco da Gama, por exemplo, demorou 10 meses até chegar ao destino. A frota de Gama – aproveitemos o exemplo – tinha 170 homens divididos em quatro naus. Pelo que terá havido, certamente, momentos de dificuldade, de desesperança, de angústia, de depressão. Dito de outra forma: de crise. Estes homens navegavam tendo, apenas, o céu como companheiro e as superstições de monstros marinhos e perigosas criaturas na costa que, ao longe, iam acompanhando.
Será que ao longo destes 10 meses, estes homens não pensaram em desistir? Não pensaram que melhor seria se voltassem para trás?
Será que neste ambiente de dificuldade não lhes passou pela cabeça atirarem o Vasco da Gama borda-fora e, com uma nova liderança, acabarem com a angústia mais depressa? Naturalmente que sim… E o que teria acontecido se não tivessem sabido viver com algum espirito de sacrifício as dificuldades que tinham pela frente. Provavelmente, escolhendo a via mais fácil, nunca teriam chegado…
A imagem destes conflitos nas naus portuguesas pode ser hoje usada para ilustrar um país que não sabe por onde quer ir, mas parece saber – pelo menos os noticiários assim o garantem – que não quer ir pelo caminho das pedras, pelo caminho da austeridade, por ser o mais difícil. Ninguém parece saber mostrar que outro caminho de facilidade poderá ser trilhado… mas mesmo assim, a vontade alegadamente generalizada é a de que tudo menos isto.
A voz da horda grita: Atire-se o comandante borda-fora! Ou ‘Demissão já!’, mas não sabe identificar o que mudaria se o comandante fosse outro. A voz da horda berra: Que se lixe a Troika!, mas não está disposta a resolver os nossos problemas, se isso significar perder direitos, deixar de ter regalias, ou viver as dificuldades tal como elas são: tempos difíceis! Ou seja, sempre ‘o sol na eira e a chuva no nabal!’
Luís de Camões, n’Os Lusíadas, em determinada altura (nos cantos V, VI e IX), apresenta o marinheiro Fernão Veloso, procurando, assim, com este personagem, humanizar os heróis, os marinheiros portugueses que acompanhavam o almirante Vasco da Gama, rumo à India. Fartos de homens providenciais, os portugueses parecem querer ser governados pelos homens normais, pelos que ‘não são insensíveis aos problemas das pessoas’, pelos que estão sempre ao lado da horda, sem nunca a contrariar, para daí não tirar prejuízos.
Prefira-se, então, o Fernão Veloso, eleja-se, então quem, ignorando o perigo, na sua arrogância, seguro de fazer o que a horda quer que faça, atacado pelos indígenas e forçado a recuar apressado ao navio, mantenha a balofa postura de herói destemido e afirme: “Mas, quando eu pera cá vi tantos vir / Daqueles cães, depressa um pouco vim, / Por me lembrar que estáveis cá sem mim”. Vejamos o que dá…
in REGIÃO BAIRRADINA, de 12 de junho de 2013