Da observação que faço das gerações mais novas da nossa sociedade, provavelmente a que mais me preocupa é a da solidão dos nossos jovens. Os meus postos de observação são variados: passam pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, passam pelo trabalho com grupos de jovens e escuteiros, passam pela proximidade com afilhados, sobrinhos, filhos de amigos, passam pela direção de uma escola profissional, etc. etc.. Acho que sou um observador experimentado.
Por outro lado, tive uma adolescência, inicialmente muitíssimo solitária e introvertida, mas depois absolutamente acompanhada e social. E na juventude os meus amigos tiveram um papel absolutamente determinante na minha vida, na minha formação enquanto pessoa. Talvez por isso, porque valorizo muito o contributo ‘que os meus pares’ deram à minha sobrevivência e à felicidade da minha vida, é para mim tão importante ter os amigos por perto – e dizer-lhes frequentemente quanto os estimo -. É, também, devido a isso – acredito eu – que tanto me preocupa o facto de – do meu posto de vigia – me parecer que os nossos jovens estão muito mais solitários.
Se os pais da malta da minha idade (tenho 42 anos) foram educados num sistema muito pouco competitivo, a verdade é que nos estimularam a nós a sermos extremamente competitivos. Mas nós, enquanto pais, ainda conseguimos fazer mais nesse domínio. Os nossos filhos têm de ser os melhores, têm de se evidenciar, têm de ter sucesso e singrar. Muito mais do que nós. E nós parecemos defender esse pressuposto de sucesso absoluto em nome daquilo que nós chamamos de Justiça. A Justiça, a Igualdade e a Equidade parece determinar – não que tenhamos todos as mesmas oportunidades – mas que os nossos filhos (os nossos em concreto e mais nenhuns) não fiquem atrás dos primeiros. Ou seja, impomos-lhes um pressuposto de competição tal, em que a cooperação é impossível.
A comparação está sempre na conversa. Por se alguém tem a X-Box, o meu também tem de ter. E se alguém tem um telefone topo de gama, o meu também tem de ter. Porque se não, o meu filho vais ser infeliz. E isso é só competição. Nunca é cooperação. Porque se eu não tenho dinheiro para acompanhar os gastos dos pais dos colegas dos meus filhos, fico para trás e acho-me um falhado como pai. E acho sempre – porque depois sou um helicóptero que não pára de sobrevoar os filhos – que o meu vai ser rejeitado pelos outros. Eu posso dizer-lhe mil vezes que ele tem de valer pelo que é, e não pelo que tem. Mas nunca deixo que o SER possa ia a jogo com o TER… e ganhar.
E quero tanto garantir que os meus filhos têm. Que o meu foco é trabalhar e ganhar dinheiro, para comprar o que for preciso. E de tanto trabalhar, deixo de ser pai, deixo de acompanhar, deixo de estar presente, deixo de fazer o meu papel. Faço de helicóptero, e nunca aterro ao lado dele. Vou à escola refilar com o professor porque não é justo que o meu filho seja castigado – até porque ‘o meu filho disse-me que não foi ele que fez a asneira!’ ou porque ‘o meu filho não é o que se comporta pior – eu sei isso não porque tenha assistido a alguma coisa, mas porque ele me disse e o meu filho não mente!’. Quantas vezes assisti a esta ladainha com pais de miúdos de 16, 17 e 18 anos.
E tudo isto faz com que seja impossível aos nossos filhos terem amigos. Têm colegas, mas nunca conseguem ter amigos. Porque não lhes damos espaço para que a amizade nasça e se transforme em cumplicidade. Porque somos nós que escolhemos os amigos dos nossos filhos e os afastamos das más companhias – porque sabemos tudo dos filhos dos outros e abemos tudo dos pais deles e eles não são bons para os meus filhos. Porque queremos ser nós os melhores amigos dos nossos filhos.
E a saúde mental dos nossos jovens já é um problema de saúde pública na sociedade ocidental. Porque encharcamos os miúdos com drogas a que chamamos medicamentos, muitas vezes sem os tratar de facto, se lhe dar as mesma oportunidades de serem felizes como nos deram a nós. E porque – tantas e tantas vezes – não os deixámos ter amigos verdadeiros.
Eu fui – eu sou – um privilegiado. Tive e tenho os melhores amigos do mundo. E tive um pai e uma mãe que me permitiram ter os melhores amigos do mundo.
Amigos que fizeram um abaixo assinado a exigir ao meu pai que me deixasse ir com eles fazer uma viagem de finalistas, quando eu nem sequer tinha idade. Amigos que nos piores momentos de desgostos de amor, me tiraram de casa e me levaram de férias. Amigos que se organizavam para fazermos apontamentos de estudo – sebentas verdadeiras -, para que nenhum de nós ficasse para trás. Amigos que alinhavam em loucuras como a de, com 17 anos, ir de mochila às costas percorrer a Europa. Amigos que me exigiram cumplicidades e segredos, que retribuíram confiança, que me ensinaram o valor da palavra, do compromisso. Amigos que ainda hoje atendem o telefone a qualquer hora do dia e da noite só para garantir que está tudo bem. Amigos que ainda hoje me garantem que eu nunca caminharei sozinho. Mesmo que eu passe anos sem os ver ao vivo. Mas que num cruzar de olhares, mesmo de máscara, se percebe que a cumplicidade está lá.
E mais do que o desgosto de não ter filhos, reside em mim o desgosto de acreditar que os filhos dos meus melhores amigos nunca terão amigos tão bons como eu tive e tenho. E isso vai lhes fazer falta a eles, vais fazer falta ao mundo e, também por isso, o mundo que lhes vou deixar não é melhor do que o mundo que me deixaram a mim.
Este texto é dedicado a alguns amigos, que não digo aqui quem são, mas que saberão que é a eles que me refiro!
[2481.] ao #15473.º