Conheci Afonso Abrantes em maio de 2009, quando criámos o jornal FRONTAL nos concelhos de Mortágua e de Penacova. Afonso Abrantes era o Presidente da Câmara Municipal de Mortágua e, daí a uns meses, recandidato do Partido Socialista à mesma função.
Na primeira abordagem, depois de me ter apresentado, tratava-me com cortesia, era um homem educado, mas sem confiança. Tratava-me por você.
Em determinada altura solicitei-lhe uma entrevista e ele recebeu-me no seu gabinete. Um espaço fresco, arrumado, todo em madeira. Cheguei e vestiu o casaco. Pequenino, careca, de olhos minúsculos numa cara redonda onde só pontuava, discreto, um branco bigode. O sotaque beirão, sibilino, gestos suaves e lentos, remetia-me para memórias das longas metragens de Felini. Na minha primeira impressão, Abrantes pululava entre um Pater Familias imperial e um Cornelone de pacotilha… Entre um Odorico e Cícero. Falámos com ele na secretária e não na mesa comprida. Grande cachucho com as cores de Letras na mão direita e uma caneta ‘Montblanc‘ entre as duas mãos, que cobicei e que calculei, custa tanto como o meu trabalho de um mês.
Na primeira abordagem antes de passarmos à entrevista propriamente dita, percebi que sabia tudo a meu respeito. Tinha-se informado aos mais ínfimos pormenores (públicos). E pensei: Não deixou créditos por mãos alheias. A entrevista correu muito bem e no final ainda falámos, um bom bocado, de Politica nacional, de história local, das memórias comuns da identidade de ambos os lados do Bussaco.
Passei a apreciar, muitíssimo, Afonso Abrantes. A partir desse dia, passou-me a tratar por tu, e sempre com respeito e honestidade intelectual. Mais tarde vi-o fazer campanha, vi um pavilhão de Vila Moinhos a abarrotar pelas costuras. Conversámos muito, muitas vezes e durante muito tempo. Compreendi muitas coisas e aprendi muitas mais.
Morreu hoje, soube agora, aos 75 anos. Abrantes deixou o legado do Abrantismo, e o Abrantismo condicionou Mortágua depois de Abrantes. Depois de Abrantes como Presidente e depois da morte de Abrantes. Há políticos que deixam marca. Abrantes é desses. E eu sou um privilegiado de poder ter beneficiado do seu convívio.
Obrigado Doutor.
[2480.] ao #15472.º