Hoje fui ao Tonito aparar a barba. Fui porque precisava, fui hoje porque amanhã entramos em confinamento e as barbearias estarão encerradas. Liguei ao Tonito, marquei hora – daqui a um quarto de hora – cheguei e sentei-me naquela cadeira.
Ao sentar-me dei, por mim a pensar nas tantas vezes que me sentei naquela cadeira. Lembrei-me da imagem que aquele espaço tinha na minha cabeça quando eu era putito. E daquela rua onde ainda passavam carros, e eu era tão mais pequenito que todo aquele espaço parecia muitíssimo maior.
Para um homem, um barbeiro é uma instituição. E a minha instituição é o Tonito. As conversas do Sporting, da caça, do Desportivo, os olás de quem passa e que só pela voz reconheço, porque se estou sentado estou sem óculos, já são uma espécie de ritual que não trocaria por nada. É como se naquela cadeira eu sentisse a que chão pertenço.
Passam-me pela memória todos os momentos importantes em que me sentei naquela cadeira. O meu avô António levava-me a um outro barbeiro da terra. Só que houve uma vez que o barbeiro me deixou o corte a meio para ir beber uma tacinha… e o meu avô não gostou… Deixou de me lá levar… Ele continuou a ir lá… mas eu não.
Comecei, então, a ir ao Tonito. Devia ter uns 6 anos. Acho que ia sempre sozinho. A minha mãe deixava-me perto, e não havia nada que enganar. Era esperar pela minha vez e fazer o serviço. Chegado a casa, banho e aquele fresquinho que se sentia por onde tinha andado a navalha. Houve um ano ou dois, lá pelos 15 ou 16, que experimentei um cabeleireiro unisexo… mas entretanto a companhia que me levou lá deixou de acompanhar e eu regressei ao Tonito.
Foi naquela cadeira que desfiz a barba pela primeira vez. O meu pai não queria que eu cortasse a penugem já densa que me aparecia no rosto porque, segundo ele: ‘Se começas nunca mais paras’. Eu devia ter uns 12 anos… muito prematuro. Devia ser junho, porque me lembro de ter ido à festa de Sernadelo de cara depenada. Foi com o Tonito que fiz o debate: ‘Faço ou não faço?’. Fiz.
Uma vez apareci no Tonito com uma tesourada na testa.’Ó tonito! O que é que eu faço a isto?’. Sem me responder lá me fez o inevitável… máquina zero na cabeça toda. Fui ao Tonito antes de me casar, e antes de todas as grandes viagens que fiz. E sempre que precisava de parecer lavadinho e aparado para alguma ocasião especial. ‘Havias de cá vir no Verão para ires mais fresco e no Inverno andavas com o cabelo maior’, dizia o Tonito quando me via a fazer rapadas no Inverno e andar com as estações trocadas.
Agora que estou a ficar careca a conversa tem mudado… ‘Qualquer dia o melhor é assumir a careca, como o meu irmão, e acaba-se o corte de cabelo’, tenho andado a dizer, talvez à espera que o Tonito me diga que ainda tenho muito cabelo. Mas não é verdade… e ele sabe… Neto de avôs carecas, apesar de o pai ter mais cabelo que o escalpe dos dois filhos somados, a genética não perdoa.
Pode ser que passe a ir ao Tonito só para saber a que chão pertenço!
[2460.] ao #15270.º