Os Cabrais de 2021 decidiram criar mais uma lei para obrigar os políticos a fazerem declaração posterior das suas prévias afeições. Não me apetece estar agora a discutir se faz ou não sentido estar a exigir que um político diga ou não se é maçon, e, com isso, estar a discutir o que é ou não a maçonaria, e sobre as suas eventuais virtudes públicas e alegados defeitos privados. É indiscutível que essa foi a vontade de quem voltou a criar uma Lei como a 1901 de 1935. Mas não me apetece ir hoje por essa via.
Importa-me apenas hoje refletir sobre o facto de essa lei – a revisão da Lei n.º 52/2019, de 31 de julho e do Estatuto dos Deputados da Assembleia da República – ter sido apresentada, ter recebido musculosos contributos de mais algumas forças políticas, sempre no sentido de mais e mais controle, ter tido discussão pública – com polémica intervenção de José Adelino Maltez – e por fim ter sido aprovada com os votos a favor do PSD, PAN, BE, PCP, CDS-PP, PEV e Chega e contra do PS, Iniciativa Liberal e da deputada não inscrita Cristina Rodrigues. Soubemos hoje que foi promulgada ontem, 9 de agosto, pelo Presidente da República.
Houve debates, páginas e páginas escritas sobre o tema. Tomadas posições sobre o assunto – algumas delas até desautorizadas – mas o certo é que, findo o processo legislativo, se conclui que, entretanto e afinal, a montanha pariu um ratinho, e que mesmo com a lei aprovada e promulgada, ninguém tem de declarar coisa nenhuma.
O objetivo dos novos Josés Cabrais… afinal… seja pelo Direito Constitucional da III República, seja pelo Sacrossanto RGPD… objetivamente… não deu em nada. O primeiro a dizê-lo foi o deputado Jorge Lacão, presidente da Comissão de Transparência da Assembleia da República. Agora é o próprio Presidente da República que o sublinha: «Notando que a presente alteração às obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos inclui, por um lado a “menção da filiação, participação ou desempenho de quaisquer funções em quaisquer entidades de natureza associativa”, mas, por outro, exclui de tal obrigatoriedade dados que possam revelar designadamente convicções religiosas – todas elas – ou políticas – também todas elas e não apenas partidárias – ficando, assim, muito significativamente circunscrito o escopo da modificação aprovada pela Assembleia da República, o Presidente da República promulgou o diploma».
O escopo da lei, afinal, é um ratinho que não muda nada.
Confesso, ainda, que o que me parece ridículo é a ideia de que pode fazer algum sentido obrigar alguém a dizer se é ou não maçon, se é ou não supranumerário da Opus Dei, ou simpatizante dos Arautos do Evangelho, depois de ser eleito. Se fosse, efetivamente, relevante para a vida pública, para a República saber se aquela pessoa tem ou não essas relações, não fazia mais sentido que essa declaração fosse prévia à eleição? Só assim é que essa declaração teria algum efeito prático. Declarar depois de eleito? Qual é o efeito? Que propósito se pretende cumprir?
[2486.] ao #15478.º