Não consigo, hoje, neste momento da minha vida e da nossa vida coletiva, deixar de associar o nascimento do caminheirismo ao final da Grande Guerra Mundial. As duas coisas parecem-me tão associadas – pela História e pelo conhecimento que temos hoje do pensamento de Baden-Powell – que me parece absolutamente indiscutivelmente que o fundador quis organizar uma brigada operacional de Paz, para impedir nova Guerra e para fazer a catarse do que foi uma má opção pessoal no esforço da Guerra. (AQUI)

O Caminheirismo é, portanto, desde sempre, uma forma de operacionalizar a busca eterna da Paz, a opção inquestionável da Paz, no contexto da formação dos líderes do amanhã. Um esforço que não se opera numa escala macro, não se opera numa Organização Não-Governamental de escala mundial, mas na vida de cada jovem. No intimo de cada jovem. E de cada jovem no pequeno grupo, na sua tribo e no seu clã. Uma Irmandade do Ar Livre e do Serviço.

O Caminheirismo do futuro, e o caminheirismo em Portugal, especialmente, não vai fugir deste ideário, desta busca e deste esforço. Acredito, no entanto, que poderia recentrar-se numa lógica menos global e mais local. Com mais ação concreta nas comunidades locais e na realidade do nosso quotidiano.
Não tenho nada contra a vontade que muitos caminheiros portugueses têm de ir fazer voluntariado no estrangeiro – especialmente em países africanos de lingua portuguesa. Nada disso, antes pelo contrário. Vejo-o com agrado e com orgulho. E sei do contributo que dão, o impacto que provocam com a ação que operam lá, em Africa.
Mas pergunto-me por que não usam da mesma diligência para fazer o que é preciso ‘cá em casa’. Também há crianças a precisar de ajuda em cada um dos concelhos do nosso território. Também há idosos a necessitar de cuidados de saude e de companhia. Também há aqui oportunidades de fazer Desafio, de dar Testemunho, de Fazer a Diferença.
É mais fácil integrar uma ONG, fazer uma formação intensiva e ir para longe, do que procurar, aqui, quem precisa, e fazê-lo sem intermediários, por devoção e de forma constante?
Gostava muito que o caminheiros portugueses olhassem mais para a realidade que os rodeia… e procurassem mais ajudar quem está ao seu lado, em sofrimento, na sua rua ou na sua cidade… assumissem uma missão de operadores da Paz na sua comunidade, em vez de procurarem ajudar quem está a milhares de quilómetros.

Do ponto de vista estrutural, não foi possível em 2010 – não por vontade dos que estavam a trabalhar no assunto, mas do que avaliavam o trabalho final – antecipar a passagem do clã para os 17 anos. Foi uma opção. Como foi opção não olhar para as idades do Lobitos e da eventual criação de um programa prévio ao Lobitismo. Mas foi uma má opção, que eu acredito que vá ser corrigida na próxima oportunidade… que não deve tardar (The winter is coming). Mas esta passagem antecipada não deve acontecer apenas pelo facto de a vida da Universidade os afastar no mesmo momento em que no clã se vive uma adaptação.
Isso tem de acontecer porque nos Caminheiros o foco da ação passa em larga medida pelo apoio e ajuda na definição de um Plano Pessoal de Vida. O programa estabelece que se proporcione ao jovem a experiência da reflexão, e se mostre um conjunto de ferramentas que o auxilie a escolher o seu caminho. Que se mostrem os escolhos, e que se ajude a impelir a canoa no sentido de os evitar e superar. Ora se uma das escolhas mais importantes da vida do jovem se faz quando tem 17 anos, quando conclui o ensino secundário e tem de escolher um curso, uma profissão um futuro (e muitas vezes uma nova cidade para viver e uma nova realidade para se adaptar, depois de deixar amigos e família). Que raio é que estamos a ajudar, quando o fazemos depois da escolha estar feita?

Sou daqueles que deixei de ser caminheiro vencido pelo universidade. Nem sequer fui estudar para longe… Mas a minha vida recentrou-se numa nova realidade e, com um clã a meio gás, os meus amigos já tinham saído também, sem grande estímulo, saí… sem pompa nem circunstância… sem partidas… saí como quem deixa de aparecer e por si, deixou de estar.
Voltei, uns anos depois, depois de ter percebido a falta que me fazia o Escutismo, no meio de um lodaçal onde me tinha metido. Voltei por vontade, como quem mergulhou e já aflito chega à tona da água e dá aquele sorver de ar imparável e cheio de energia. Esse fôlego ventilou-me completamente e dei tudo de mim, fui a todos e procurei viver o meu caminheirismo na medida limite das minhas possibilidades e forças.
Enquanto isto acontecia comigo, também o caminheirismo no CNE vivia um tempo parecido. E eu aproveitei essa onda, incorporei-me nela e fiz parte do impacto que ela ia tendo por onde passava. Vivi o 2.º Trilhos, fiz parte do segundo ciclo do Cenáculo, integrei uma equipa projeto do Rover 2005… que nunca se realizou…
Integrei as equipas da Revisão da Ação Pedagógica (RAP), cujo trabalho culminou em 2010 com a aprovação de um novo Programa Educativo para o CNE.

O Caminheirismo complementou uma formação integral que o movimento operou em mim desde os 12 anos. Ajudou-me muito e mesmo hoje, com quase 40 anos, continuo a ver-me como um caminheiro do mundo, um peregrino da Verdade, um buscador da Vida.

#100anos
#100amigos
#100visoesparaaivseccao
#100anos100amigos100visoesparaaivseccao
#obrigadoporfazerespartedosmeus100

Este texto foi-me solicitado pelo amigo Ferrão Lourenço para a colectânea de testemunhos «100 visões para a IV Secção», a propósito do Centenário da fundação do Caminheirismo.

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De lenço ao pescoço #9457