DSC_0112

Excerto do opúsculo “300 anos da Capela de Santa Ana”, com o título

SANTA ANA DOS MEALHADENSES

Lançadas algumas pistas sobre eventuais razões que possam justificar a escolha de Santa Ana para orago da capela edificada em 1716, e, posteriormente para padroeira da Mealhada – e não São Sebastião cujo culto existia na povoação pelo menos desde 1594 – fará sentido dar conta da importância que os mealhadenses deram, pelo menos no século XX, à sua “Senhora Santa Ana” como frequentemente se ouve dizer, em sinal de respeito e veneração.

A apresentação da luz elétrica na vila da Mealhada aconteceu no dia 26 de julho de 1925. Foi este o dia escolhido para que a população tomasse contacto com este fenómeno da modernidade. Os mealhadenses tiveram de emprestar dinheiro à Câmara – “e sem juros” – e devido ao facto de “não ter chegado ainda o dínamo que há-de ser colocado definitivamente na central, teve ela (a luz elétrica) de ser inaugurada com um dínamo emprestado e teve de ser interrompido o seu fornecimento, o que esperamos não seja por muito tempo”

A luz só passaria a estar disponível para utilização pública e doméstica dois anos depois, mas a apresentação popular teve lugar no dia de Santa Ana.

Também os Bombeiros Voluntários da Mealhada nasceram, oficialmente, no dia de Santa Ana de 1927. Desde 1916 que se falava de Bombeiros na Mealhada e havia equipamento disponível para acudir a incêndios desde 1920, mas foi, especialmente, desde o incêndio da alquilaria do ‘Melo Gago’ que o corpo de Bombeiros se organizou e a associação para o governar nasceu oficial e juridicamente no dia de Santa Ana, em 1927, como já se disse.

Desde a sua origem, em 15 de outubro de 1906, que a própria Santa Casa da Misericórdia estabelece como padroeira Santa Ana. A primeira denominação da instituição nascida para gerir o Hospital acabado de construir em 12 de agosto de 1906 é, tão só, “Irmandade da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada sob a invocação da Senhora Sant’Ana da vila e concelho da Mealhada”.

A epopeia do Padre Dr. António Antunes Breda na criação, manutenção e desenvolvimento do seu Colégio da Mealhada leva-o a, já no pôr-do-sol da sua vida, alargar a outros sócios, mais doze, o seu sonho e construir o Instituto Liceal e Técnico Sant’Ana de Mealhada, com as obras a começar em 12 de julho de 1961 para ser inaugurado em 6 de outubro de 1962. É este edifício o que ainda hoje serve o concelho da Mealhada com o ensino secundário regular, depois de nos primeiros anos da década de 1970 ter passado a albergar o ensino liceal estatal e, depois da Revolução dos Cravos passar a ser, simplesmente, Escola Secundária da Mealhada.

Mas os sinais da ligação dos mealhadenses a Santa Ana não termina por aqui. Nos finais da década de 1970 nasceu na Mealhada um agrupamento de escuteiros que tinham a sua sede na ‘Feira’ da vila e na Capela de Santa Ana. O grupo persistiu por alguns anos, chegaram a fazer a sua investidura como escuteiros, mas o agrupamento nunca chegou a filiar-se no Corpo Nacional de Escutas.

Em 1991, na iminência da construção de uma igreja na Mealhada e de outras condições para os grupos da paróquia, por impulso de um grupo de jovens, com o patrocínio do Padre Abílio Simões, há uma nova tentativa de fundação de um grupo de escuteiros na Mealhada. É na Capela de Santa Ana, na tarde de 8 de dezembro de 1991, que se realiza uma primeira reunião de crianças e jovens, onde um dirigente dos escuteiros da Pampilhosa procurou explicar aos futuros escuteiros da Mealhada o que era o movimento.

A ideia pegou e o agrupamento de escuteiros da Mealhada começa a sua atividade formalmente em 1 de janeiro de 1992, filiando-se dois anos depois e assumindo a designação de Agrupamento de Escuteiros de Santa Ana – Mealhada, o n.º 1037 do Corpo Nacional de Escutas.

Até mesmo os festejos carnavalescos da Mealhada têm com Santa Ana uma relação umbilical. Devido à morte do Presidente do Conselho de Ministros António de Oliveira Salazar, em 27 de julho de 1970, a mordomia da festa de Sant’Ana foi obrigada a cancelar todos os festejos e viu-se a braços com um grande prejuízo.

Luís Marques, homem de grande dinamismo e um dos mordomos da festa desse ano, juntamente com alguns dos seus companheiros, entendeu que organizar no centro da vila da Mealhada um desfile carnavalesco poderia ser uma forma de anular esses prejuízos. E assim aconteceu, no Carnaval de 1971, e em 21 de fevereiro de 1971 nasce o primeiro desfile de Carnaval Luso-brasileiro da Bairrada.

A iniciativa tem tão bom resultado que se repete nos quatro anos seguintes, em 1972, 1973, 1974 e 1975. O período revolucionário e o empenho de alguns dos organizadores nessa causa inviabiliza a realização do evento em 1976 e 1977, mas renasce em 1978 e não mais deixou de se realizar, fazendo nascer, no ano seguinte, a Associação do Carnaval da Bairrada que organiza o Carnaval até aos dias de hoje.

Curiosamente, os festejos carnavalescos na Mealhada, que nascem da festa de Santa Ana, acabam por se tornar seus sucedâneos como os grandes festejos populares da terra. Porque com o aumento da intensidade de uns, os outros acabaram por diminuir, limitando-se, na atualidade, apenas à componente religiosa da solenidade.

A ausência de fontes não o comprova, mas será fácil supor que houve antes comemorações grandiosas por ocasião da solenidade da padroeira da Mealhada, ainda para mais comemorada em pleno Verão, de noites pequenas e quentes. Das referidas fontes brotam, no entanto, certezas de que no séc. XX as festas foram cuidadas e bem acolhidas.

O período áureo da tauromaquia na Mealhada – entre 1908 e 1930 – com a existência até de uma Praça de Touros, foi propício a grandes festejos por ocasião das festas da padroeira conciliando as duas dinâmicas culturais. Dos relatos históricos dos jornais, sublinha-se, ainda, as festas dos anos de 1942 e 1946, organizadas pela Associação dos Bombeiros Voluntários da Mealhada, em benefício da construção do seu novo quartel. Também o Grupo Desportivo da Mealhada, em 1950, organizou as festas da padroeira com os lucros a reverter para a associação desportiva e, ainda, para a Casa da Criança e para a Sopa dos Pobres.

As festas de Santa Ana eram conhecidas, durante o século XX, seguramente, pela componente desportiva que normalmente incluíam, com circuito de ciclismo nuns anos, de atletismo noutros e algumas vezes com as duas modalidades.

Com a década de 1990 os festejos acabaram por esmorecer, com algumas atividades nuns anos, bons festejos noutros, mas que não sobreviveram para o século XXI, acabando por resumir-se à parte religiosa da festa com a missa e procissão solene pelas ruas do centro da cidade.

No ano de 2015, no entanto, o panorama mudou. A promoção, por parte da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada junto da população, da ideia de serem enfeitadas as ruas com flores de papel – no encalce do que outrora terá até motivado a existência de concursos de decoração de ruas por ocasião destas mesmas festas – revelou-se notável. A ideia teve grande adesão por parte da população e foi verdadeiramente admirável o empenho e o brio com que mealhadenses – especialmente das zonas da Póvoa e da Mealhada por onde passou a procissão, mas não só – se organizaram para acolher a imagem da padroeira.