Na edição de 24 de julho do Diário de Notícias, Miguel Angel Belloso –Diretor da revista espanhola Actualidad Económica – escreve um texto interessantíssimo sobre o Syriza, o Podemos e a chamada “feel-good ideology”. O texto tem um título sugestivo – “E se o povo for estúpido?” – , e pode ser lido AQUI.
Belloso acompanha as eleições gerais espanholas e faz uma conjectura para as Legislativas portuguesas no contexto europeu. Segundo o “periodista” espanhol, as recentes afirmações de Alexis Tsipras e, no fundo, a sua recente rendição, têm de ser entendidas numa espécie de estratégia global, que se justifica na ideia de que tem de esperar por reforços para poder levar avante um movimento de rutura e antissistema que procurará revolucionar a Europa Comunitária e a Zona Euro. Esses reforços seriam, então, o Podemos, em Espanha, o Bloco de Esquerda, em Portugal, e todas as outras forças que se manifestaram solidárias com a reacção grega.
«Tsipras também esclareceu que está à espera de que “outros como nós cheguem ao poder na Europa”, porque isso dará força ao movimento de rutura e antissistema que terá de fazer a revolução no continente. O próprio Iglesias, num dos seus comícios de fim de semana, gritou ao público que o escutava: “Espera Alexis, que nós já vamos!”», refere Belloso.
O jornalista espanhol não tem qualquer espécie de pudor em apelidar Alexis Tsipras e Pablo Iglesias (o líder do Podemos) de “dementes”.
«Num artigo recente no diário El País, o jornal de maior tiragem em Espanha, Pablo Iglesias escreveu que “as próximas eleições não dão início apenas a uma nova legislatura mas, quem sabe, também a um regime político diferente. O Podemos quer que os protagonistas das mudanças não sejam as elites políticas e económicas, mas sim os cidadãos”. Mas, e se os cidadãos forem estúpidos? Por exemplo, na Grécia, Tsipras conseguiu que a incipiente recuperação que a economia indiciava nos finais de 2014 se convertesse numa recessão profunda; declarou um corralito (controlo de capitais) e provocou a escassez de bens essenciais como a massa, o arroz e o leite para crianças. Depois de convocar um referendo para que os seus cidadãos fizessem história e repudiassem o ultimato dos credores em nome da dignidade e da democracia, regressou de Bruxelas com um resgate mais duro. Perante este rosário de calamidades, seria de esperar que a sua reputação se tivesse afundado, mas aconteceu precisamente o contrário: o apoio a Tsipras passou dos 38% de janeiro para os 74% do princípio de julho. Os bancos estiveram encerrados durante três semanas e as pessoas fazem fila à porta dos supermercados, mas a sua popularidade não para de subir. É uma tendência realmente desconcertante. O que podemos pensar sobre isto?», diz Belloso.
Esta questão é, realmente, importante. Porque mais do que uma visão conjectural do perigo de um ou outro partido chegar ao poder com base em promessas ilusórias e depois fazer o contrário do que prometeu, o perigo pode estar no facto de os cidadãos estarem dispostos a votar de uma maneira irracional. Disto de outra forma: Como podem os gregos ter votado no Não, no referendo, e, ao mesmo tempo, não quererem sair do Euro?
Belloso apresenta uma reflexão que me parece muito interessante:
«Há muitas teorias científicas que explicam este comportamento insólito. Uma delas, elaborada por Gordon Tullock, afirma que, dada a dificuldade de adquirir conhecimento fiável e a baixa repercussão para cada votante das medidas económicas adotadas pelos seus representantes, é racional não investir em informação e votar de maneira despreocupada e intuitiva. Outros autores como Brennan e Lomasky pensam que, na hora de votar, muitos cidadãos manifestam a sua pertença a um grupo, a sua identidade, os seus princípios ou crenças e que todas essas circunstâncias interferem com a suposta racionalidade económica com que se deposita o boletim de voto. Há outra teoria, ainda mais surpreendente e, para mim, a mais consistente, segundo a qual os erros económicos das maiorias são conscientes. Deliberados. Este último enfoque, o da “irracionalidade racional”, postula que muitos votantes adotam decisões equivocadas de propósito, porque a sua satisfação pessoal de votar contra o sistema de mercado é maior do que o cálculo que fazem sobre o agravamento da sua própria situação material como consequência das suas decisões. Bryan Caplan chamou a este impulso demente “a ideologia do sentimento de satisfação” (feel-good ideology). A mim parece-me válida para explicar muitas decisões com consequências económicas catastróficas como a ascensão dos programas neoleninistas, a loucura do “voto para chatear” dos antissistema ou o desvario coletivo do recente referendo grego, após o qual os cidadãos continuam a apoiar quem os enganou e os submete a um ajustamento mais severo do que estava previsto».
E esta história fez-me lembrar uma estória popular em que um determinado autarca decidiu inaugurar uma fonte, só que, em vez de, na inauguração, jorrar água, ele queria que jorrasse leite, para surpreender o povo. Pediu, então, a dez pastores que oferecessem um cantaro de leite para o efeito pretendido. Um determinado pastor lembrou-se que, se em vez de leite oferecesse água ninguém iria notar a diferença, e a agua sempre lhe saía mais barata sem ficar mal na fotografia. Na hora do corta-fitas, aconteceu o inevitável, da fonte jorrou, apenas água límpida, dado que nenhum dos dez pastores tinha levado leite, pensando que ninguém iria reparar na sua mudança.
Estamos sempre convencidos de que ninguém vai notar se votarmos em branco, se não votarmos, ou se votarmos em protesto, só porque nos faz sentir bem… até ao dia em que ninguém pensou no interesse colectivo…
Partidos como o Syriza, o Podemos, ou o Bloco de Esquerda quando apelam “a um regime político diferente” não estão a sugerir outra coisa que não seja a ditadura, que é a única alternativa à democracia. “Esta ideia pode ser embrulhada como se quiser, como o resultado do voto popular, mas é o que têm na cabeça a classe de dementes com os quais estamos a jogar o futuro em alguns países como o meu. Se as pessoas tivessem algum interesse em conhecer a estratégia destes radicais fariam bem em ler o artigo que Pablo Iglesias escreveu na revista The New Left Review há um mês: “Entender o Podemos”. Nele explica sem complexos a sua agenda política: o importante é alcançar o poder. Mas isso exige aproveitar os sentimentos mais primários e mesquinhos das pessoas maltratadas pela crise económica. Obriga a exaltar o ânimo dos desesperados, a apontar o dedo aos corruptos e a enfatizar a suposta desigualdade gerada pela recessão. E implica prometer um futuro presidido pela justiça social. O Podemos não está interessado nos debates de fundo sobre a monarquia ou a república, a reparação dos danos ocasionados pelo franquismo ou o aborto, com os quais a estúpida esquerda convencional está obcecada. Para assaltar o poder, como dizia Lenine, estes itens são meros aperitivos que nos afastam do prato principal: como excitar a inveja das pessoas, gerar a sua ira e instigar a sua vontade de destruir o sistema entregando-se ao Podemos como o meio para alcançar o fim”». E o Bloco de Esquerda, em Portugal, assim como o PDR, de Marinho Pinto, ou até, nalguns discursos, o Livre, não são diferentes disto.
E ler este texto de Belloso fez-me encontrar uma possível explicação para algumas pessoas, letradas, politicamente instruídas e bem formadas, da área da Esquerda moderada, quase todas reformadas, de repente, de alguns meses a esta parte, no Facebook usam insultos, asneiras, palavrões e acusações torpes e imbecis para demonstrar uma determinada posição de revolta. Parece-me que os efeitos da política de enlouquecimento colectivo que estes partidos estão a impulsionar, pode estar a resultar.