Muito se tem dito e escrito sobre o programa “Uma Década para Portugal“, o documento que António Costa encomendou a um conjunto de especialistas, e que, ao que tudo indica, será a base do programa que o Partido Socialista vai apresentar nas Legislativas de Outubro deste ano.
E aconteceu imediatamente o que acontece quando um líder político pede a alguém para lhe arranjar ideias para si próprio. Há, naturalmente, medidas que não serão tão populares como o líder gostaria e ele, naturalmente, vê-se obrigado a criar um caminho de fuga: “Isto não é uma Bíblia”… Compreende-se.
Tive uma militância partidária muito activa durante pouco mais de seis anos. Seis anos loucos de muita dedicação, de verdadeira militância, séria e completa. Tornei-me uma daquelas pessoas a quem eram dadas responsabilidades em Gabinetes de Estudos – participei em estruturas destas em todos os níveis, local, distrital e nacional – e nesse sentido foram-me pedidos contributos e redacção de programas políticos autárquicos e legislativos, de discursos para várias pessoas diferentes (candidatos a diferentes responsabilidades, claro está) e até alguns diplomas legais (projectos de lei).
Esses programas políticos – e de maneira muito notória os autárquicos – serviram apenas para que os candidatos dissessem ao eleitorado que tinham ideias. Acredito que a maior parte deles nem nunca os leram, nunca os defenderam em debates ou entrevistas. E seguramente, uma vez eleitos, nunca se esforçaram por aplicá-los.
Mas compreende-se: Não eram as suas ideias (alguns não as têm nem nunca tiveram), eram as ideias de alguém a quem eles tinham pedido que redigissem algo que funcionasse como pressuposto de coerência política. O que se constituía, imediatamente, como uma enorme incoerência. Mal comparado é como o esposo que pede a outro que consuma o seu próprio casamento…
A partir de determinada altura deixei-me de fazer esses trabalhos. Lá ajudei mais um ou outro depois disso, mas passei a adoptar a máxima de que sempre que vejo um político a apresentar programas políticos escritos por outras pessoas digo para mim que lá estão escrevedores a fazer o papel que não é deles. E lá estão políticos a querer fazer bonito, mas a enganar as pessoas.
Meditava o Duque de Gandia, no poema de Sophia, que “nunca mais servirei senhor que possa morrer”. Medito eu, de algum tempo para cá, que nunca mais votarei em político que peça a outros o seu próprio programa.