O ciclone de 15 de fevereiro de 1941
No passado domingo, 13 de fevereiro, passou um mês sobre as cheias que no Brasil assolaram a região serrana do Rio de Janeiro, mataram 800 pessoas, fizeram desaparecer centenas e desalojaram mais de um milhão de indivíduos, deixando um rasto de destruição épica. Sensivelmente na mesma altura, mas na Austrália, situação semelhante matou 30 pessoas, destruiu 14 mil casas e permitiu que crocodilos e tubarões se pudessem fazer passear pelas inundadas ruas de grandes centros urbanos. Sem a mesma cobertura mediática em Portugal, registaram-se no mesmo mês de janeiro de 2011, vítimas de fenómenos climatéricos, 32 mortos no Sri Lanka e 40 na África do Sul.
Há dois meses, em dezembro de 2010, 42 pessoas dos concelhos de Tomar, Ferreira do Zêzere e Sertã ficaram feridas depois da passagem e da destruição de um tornado. O fenómeno provocou prejuízos avaliados em 18 milhões de euros – mais de metade dos quais no concelho nabantino.
No próximo domingo, 20 de fevereiro, passa um ano sobre a terrível intempérie que assolou o arquipélago da Madeira, que ceifou a vida a 42 pessoas, feriu 250 e deixou mais de 600 habitantes desalojados. Um prejuízo avaliado em 217 milhões de euros, do qual os madeirenses procuraram sair imediatamente.
No sábado, 12 de fevereiro, passaram treze meses sobre o episódio que ficará conhecido como a tragédia do Haiti, um terramoto que matou 200 mil pessoas. O tsunami, no Índico, que matou mais de 230 mil pessoas foi há seis anos.
Há medida que o tempo vai passando, e que são conhecidas novas catástrofes, o fio dos dias quebra-se e esquecemos tragédias antigas, sem termos aprendido grande coisa com o passado. Porque no passado aconteceram, sempre, coisas semelhantes.
No dia 15 de fevereiro de 1941 – ontem, terça-feira, completaram-se 70 anos sobre o dia fatídico –, sábado Magro (uma semana antes do Carnaval, bem-entendido), passou pelo território português (na Europa, entenda-se) um ciclone que ceifou a vida, em toda a metrópole, a 200 pessoas. O fenómeno, que a história registaria como ‘O Ciclone’, terá provocado os piores efeitos num período compreendido em uma hora – entre o meio-dia e a uma da tarde. Rajadas de vento com 200 km/hora, resultantes de uma baixíssima pressão atmosférica (952,1 milibares, quando o normal seriam 1013 milibares) deixaram um rasto de destruição assinalável.
Percorrendo as notícias de um território virado do avesso, são curiosas algumas das informações relatadas por quem garantia “nunca ter visto nada assim”. De norte a sul apontamentos registam invulgaridades, como a estátua do Infante D.Henrique, no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, que caiu ao Tejo e se perdeu, por acaso já depois da Exposição do Mundo Português. No mesmo rio, ao largo da capital do império, afundaram-se mais de cem fragatas típicas. Ao fundo foram, também, mas em Leixões, dois barcos a vapor, um de nacionalidade brasileira e outro grego.
No norte, há igrejas destruídas em Amarante, em Chaves, em Meda. O Mercado de Vila Real caiu, como ruíram as paredes de um templo romano, do século II, em Figueira de Castelo Rodrigo, o cineteatro de Arganil, parte da ‘Casa de Camões’, em Constância, ou o complexo de novos diques da Companhia das Lezírias.
Em Alhandra, a passagem devastadora do ciclone fez desaparecer parte da vila e dos seus mouchões, havendo largas dezenas de vítimas mortais e feridos graves. Soeiro Pereira Gomes, o escritor que editará em Novembro o livro “Esteiros”, com ilustrações de Álvaro Cunhal, tripulando uma frágil barca do Tejo, com mais três trabalhadores, foi um dos que se empenharam intensamente nas operações de salvamento conseguindo salvar, do Mouchão de Alhandra, mais de vinte trabalhadores.
E o registo da catástrofe espalha-se por toda o espaço metropolitano.
O Governo do Estado Novo, cinco dias depois, abriu uma linha de crédito – com vinte mil contos – para reparação de estragos e prejuízos, garantindo uma “intensificação de obras públicas para atenuação da crise de trabalho”. Oliveira Salazar mandou proibir os festejos de Carnaval, que “A hora é de trabalhar e não de festejar”. Exceção para o Carnaval de Loulé, porque era feito pelos Bombeiros para fins humanitários.
No concelho da Mealhada, chegam-nos registos testemunhais de um dia difícil de esquecer e de estragos vários. No Bussaco, assinala-se a queda de 5400 árvores de grande porte, uma verdadeira catástrofe, que poderá ter antecipado a construção de um viveiro florestal do Estado na Mealhada para reflorestar as Matas Nacionais portuguesas.
Em Sernadelo caiu a sobreira que o benemérito Augusto Cerveira de Melo doou, cujo rendimento destinara que fosse usado na compra de livros para os alunos pobres que frequentavam a escola que estava em frente, mandada construir por si, pelo seu irmão e tio há precisamente um século.
Porque a memória é coisa importante, lançamos o desafio a quem guarde lembranças ou testemunhos desse dia, que faça chegar essa informação ao Jornal da Mealhada – através de contacto pessoal, telefónico ou por e-mail – para compilação e registo dessa memória que é, acima de tudo, coletiva.
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Editorial do Jornal da Mealhada de 16 de fevereiro de 2011
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