Abertas as portas do Céu?
A propósito da tomada de posse dos órgãos da Fundação Buçaco
Precisamente no dia em que se completavam 387 anos após a publicação da bula do Papa Gregório XV que proibia a entrada de mulheres nos desertos carmelitas, como o do Buçaco, 23 de Julho de 2009, tomaram posse os órgãos dirigentes da Fundação Buçaco. Tal acto consistiu, em termos práticos, na transferência da tutela directa do Estado para a Fundação, que passa, a partir daquele momento, a gerir a Mata Nacional do Buçaco e todo o seu património. O Estado não sai da Mata — uma vez que continua a ter elementos representantes do Governo nos órgãos de gestão desse espaço da Serra do Buaçaco —, mas naquele momento entraram novas entidades, nomeadamente a Câmara Municipal da Mealhada, que, associadas, constituem uma nova estrutura de gestão, uma entidade, de direito privado, uma fundação.Como já amplamente fizemos referência no Jornal da Mealhada, a entrada da Câmara Municipal da Mealhada na gestão do património da Mata Nacional do Buçaco — a jóia mais preciosa do concelho, como já foi dito por vários autarcas — acontece 152 anos depois de a Mata passar a ser gerida pela administração do Estado, da qual a própria Câmara é uma estrutura descentralizada. É certo que durante algum tempo, apesar de não o ser formalmente, nem oficialmente, como agora, a Câmara da Mealhada esteve muito próxima da administração da Mata. José de Melo Figueiredo foi administrador da Mata Nacional do Buçaco de 1920 até finais dos anos cinquenta. Durante esse tempo foi vereador e vice-presidente da Câmara Municipal da Mealhada durante grande parte do mandato de Manuel Louzada, e chegou a ser presidente da Câmara desde Setembro de 1957 a finais do ano de 1959. Carlos Cabral, presidente da Câmara Municipal da Mealhada, foi quem afirmou que considera que a data de 23 de Julho de 2009 passará a figurar na história da Mata Nacional do Buçaco como inequivocamente relevante. Passará a haver, nessa história, disse o autarca, uma Mata antes deste dia, e uma Mata diferente depois deste dia. A ver vamos. A expectativa e o desejo — pelo menos o nosso — é o de que isso aconteça.A conduta da administração central nos últimos meses é ilustrativa da incúria e da falta de zelo com que a Mata Nacional do Buçaco foi gerida nos últimos anos. Numa atitude inqualificável de represália pela simplesmente anunciada perda de autoridade naquele espaço, a administração central desmazelou completamente a sua acção, mesmo a na gestão meramente corrente. Ascenso Simões, secretário de Estado das Florestas, quando interpelado pelo repórter do Jornal da Mealhada sobre a razão pela qual as portagens da Mata tinham ficado por abrir, branqueou o tema, usou de alguma técnica discursiva para virar o tabuleiro e fugir ao assunto, mas não o negou, nem tão-pouco conseguiu diminuir a contradição em que se tinha metido. O governante não pode, ao mesmo tempo, dizer que é significativo e relevante o facto de se transferir o dinheiro das receitas geradas pela Mata para a Fundação e, ao mesmo tempo, justificar por que razão não foram colocadas portagens na Mata como era hábito. “As portagens servem para purificar o sistema e impedir o excesso de pessoas e de carros na Mata”, disse Ascenso Simões. Então em 2009 já não vai ser preciso purificar o sistema? Custa-nos crer que Ascenso Simões, que é um homem pragmático, hábil e politicamente competente, acredite na justificação que nos deu. Defendeu a administração central, como será, certamente, a sua obrigação, mas sem o sentir. A verdade é que a administração central deixou de cobrar portagens durante três meses e, com isso, impediu a criação de receitas e a tal purificação do sistema de entradas na mata durante todo o ano de 2009. Abriu, também, o precedente de não restringir a entrada selvagem no Verão e com isso a sua atitude poderá dar origem a problemas no futuro.Para além disto nós não esquecemos — nem consideramos perdoável — a falta de um papel da Direcção Geral do Tesouro e do Património a autorizar a retirada das garagens da concessão do Palace para construção do Centro Interpretativo. Também não esquecemos que ainda os estatutos da Fundação não estavam sequer escritos, e, logicamente, nem sequer aprovados pelo Conselho de Ministros, já os serviços da administração central se recusavam a tomar decisões de gestão corrente — como a de cedência de instalações a grupos — “porque ia nascer uma fundação para gerir a Mata”. À Fundação começaram por ser atribuídas responsabilidades e funções antes mesmo de ela existir formalmente. E, por último, não nos parece aceitável que, no meio do Verão, o Convento de Santa Cruz permaneça encerrado ao domingo, ao contrário do que acontecia nos Verões anteriores. Apesar de o número de visitantes ao fim-de-semana ser muito significativo — temos testemunhado isso — o acesso ao Convento de Santa Cruz continua só ser possível às terças e quintas-feiras. Ora, se era normal a abertura ao domingo, faz sentido que este ano, particularmente, isso não aconteça? Manter o que se fazia em anos anteriores não é uma gestão corrente?Lamentamos ter de o dizer, mas a gestão estadual da Mata Nacional do Buçaco não deixa saudades. O modelo da Fundação até pode mostrar-se desadequado, mas, mesmo assim, é uma réstia de esperança num futuro melhor para aquele espaço tão importante para todos.
Editorial do Jornal da Mealhada de 29 de Julho de 2009