Faz hoje, 5 de agosto de 2017, cento e dois anos que foi inaugurada a Fonte do Garoto, na Pampilhosa, no centro da localidade. A efeméride fez-me lembrar JOAQUIM DA CRUZ (1884-1975), presidente da Comissão Municipal Republicana, e presidente da Câmara Municipal da Mealhada em 1912 e 1913, em 1919. Um grande republicano e uma grande personalidade do Poder Local no concelho da Mealhada.
JOAQUIM DA CRUZ
(Breve síntese)
Joaquim da Cruz nasceu na Praia do Ribatejo, no concelho de Vila Nova da Barquinha, distrito de Santarém, no dia 17 de Setembro de 1884. Filho de Thomaz da Cruz, natural de Dornes, do concelho de Ferreira do Zêzere, era proprietário e negociante. A mãe, Rosa Maria, era natural de Paio de Pele, o nome original da Praia do Ribatejo e era doméstica.
Thomaz da Cruz era um dos dois madeireiros da Praia do Ribatejo, a firma Thomaz da Cruz & Filhos, com fábrica de serração a vapor. Abriu sucursais em Caxarias (Ourém), Carriço (Pombal) e Pampilhosa (Mealhada). Joaquim tinham mais três irmãos Francisco (licenciado em Direito e Deputado na I República), e ainda José e António.
Com a entrada em funcionamento, em 1882, da linha de caminho de ferro da Beira Alta, a Pampilhosa começou a transformar-se por completo. A actual parte baixa de Pampilhosa, onde em 1870 não havia qualquer prédio, foi ocupada por algumas fábricas, armazéns e residências em poucos anos. Só cerâmicas chegou a haver quatro. A primeira fábrica de serração de madeiras a ser instalada foi a Thomaz da Cruz & Filhos, junto à via férrea e um pouco a sul da estação, isto no ano de 1905. Ficaram à frente da dita fábrica os irmãos Joaquim e Francisco da Cruz que, desenvolvendo grande actividade, deram grande nomeada à Firma, exportando madeira trabalhada para diversos pontos do País através do caminho de ferro. Foi o caminho de ferro e a consequente instalação de indústrias de barro e de madeira que muito contribuiu para a criação de um pólo industrial e populacional da menos populosa Freguesia do Concelho de Mealhada que, em 1880, somava pouco mais de 650 moradores e, em 1910, já perto de 1500.
A esse surto de desenvolvimento sempre esteve ligado o nome de Joaquim da Cruz, com o seu dinamismo e a sua simpatia, levando-o a ser considerado e respeitado na terra. De facto, Joaquim da Cruz, republicano dos quatro costados, democrata e anti-clerical, muito cedo se embrenhou na politica local, ainda durante o regime monárquico, entusiasmando-se pelo desenvolvimento de uma comunidade que crescia e passou a considerar como sua.
Em 1906, com um grupo de amigos, está na linha da frente da construção do cineteatro da Pampilhosa e na criação do Grémio de Instrução e Recreio, de cuja direcção viria a ser o primeiro presidente, em 1913. Este espaço era a única casa de espetáculos no sul do Distrito de Aveiro.
Com a implantação da República, em 5 de outubro de 1910 e com ela torna-se o Presidente da Comissão Administrativa responsável pelo governo do Municipio da Mealhada na transição entre regimes. Voltaria a ocupar o lugar, por eleição, em 1911, 1917 e 1919.
Em 1912 foi por iniciativa de Joaquim da Cruz que nasce o Sindicato Agrícola, para defesa dos camponeses do Concelho, iniciativa que se revelou efémera. O seu trabalho como autarca confunde-se com o período de grande ação política local que se seguiu à implantação da República.
Fez parte da Comissão para a construção de um fontanário artístico que viria a ser inaugurado em 1916 e ficou a ser conhecido por Fonte do Garoto, escultura em bronze da autoria do Mestre António Teixeira Lopes. Fundou, em 1913, a Tuna Recreativa de Pampilhosa, que vai dar origem à Filarmónica Pampilhosense, ainda hoje existente.
Em 1920 teve a ideia de, conjuntamente com outros industriais da Pampilhosa, criar uma espécie de Caixa Mutual, para a que também contribuíram os operários com um pequeno desconto nos seus salários. Como os operários não concordaram, a ideia gorou-se. Porém embora com alterações, a ideia voltou a ser tratada por alguns industriais, acabando por ser criada a Associação de Socorros Mútuos 7 de Agosto, em 1921. Ainda apoiou Francisco Mourão na iniciativa da criação da Casa da Sopa dos Pobres.
Em 1924 ajudou a criação do Pátria Foot-Ball Club e deu apoio a Adriano Teixeira Lopes e Joaquim Pires na formação de Empresa Cinematográfica Pampilhosense, da qual inicialmente foi sócio. Por essa altura, Joaquim de Cruz defendia tornar-se imperioso construir um Bairro Operário e aprovar um plano geral de urbanização, dado o seu crescimento populacional, industrial e comercial, melhorando os arruamentos e o asseio. Chamou atenção para a falta de critérios nas edificações, necessidade de abertura de novas ruas e construção de uma Passerelle sobre as linhas para acesso à Estação. Também apelou aos proprietários para construírem edifícios com bom gosto, de forma a que, futuramente, a Pampilhosa fosse mais atraente.
Ele mesmo mandou construir um belo e grandioso edifício, junto à fábrica de serração, edifício esse a que deu o nome de sua mãe Vila Rosa. Ainda hoje um belo Chalet, conquanto semi-arruinado, por longo abandono. Á sua custa, mandou plantar várias árvores nas orlas das estradas da Freguesia de Pampilhosa. Em 1923, Joaquim da Cruz e Albano Christina convenceram Joaquim José de Melo a autorizar graciosamente a canalização de água de abundante nascente junto ao pinhal de Gândara, até perto da zona habitacional. Construiu-se então um aqueduto com mais de trinta arcos e essa fonte passou a ser a Fonte do Melo, inaugurada em 1925.
Em, 1926, quando se pensou em fundar uma Corporação de Bombeiros, Joaquim da Cruz logo deu o seu incondicional apoio e, com Adriano Teixeira Lopes, encabeçou a Comissão Organizadora. Na primeira eleição, focou a presidir à Assembleia-geral. Depois, por vários anos, Presidente da Direcção e Primeiro Comandante, tendo colocado à disposição dos Bombeiros, graciosamente, um seu armazém que serviu de Quartel durante quinze anos. Em 1931 vendeu ao B. V. P. o seu automóvel Turcat-Méry pelo preço simbólico de 3.000$00. Passou a ser o Pronto-Socorro nº1.
Provavelmente a maior obra de Joaquim da Cruz para os pampilhosenses foi a Escola Democrática Thomaz da Cruz, custeada por ele e pelo seu irmão Francisco e a quem deram o nome do progenitor. A firma ofereceu o terreno, e custeou as obras de edificação – cuja inauguração aconteceu em 1923 – e futuras ampliações. Foi ali que durante décadas os pampilhosenses tiveram acesso à instrução.
Grande benemérito, industrial activo, dos vultos mais actuantes do Partido da União Republicana no Município, sempre bem-humorado, de espírito e corpo sãos, Joaquim da Cruz era um bom cavaqueador, despretencioso e de sorriso comunicativo. Seus amigos diziam que, quando calado, atraia e a falar, encantava.
A oito de Dezembro de 1923, Joaquim da Cruz casou na Figueira da Foz com D. Maria Rita dos Santos Carvalho, filha de Manuel José de Carvalho e irmã de Joaquim Carvalho, da Figueira da Foz.
No período que se seguiu à II Guerra Mundial, principalmente no início dos anos cinquenta, a crise acentuou-se e as fabricas a pouco e pouco, começaram, a fechar. Vários ferroviários emigraram para Africa, outros vão para França, a população pampilhosense reduz-se, continuando, no entanto, a ser a mais elevada nas Freguesias do Concelho de Mealhada. Joaquim da Cruz que, a pouco e pouco, se vinha afastando da vida activa, social e económica, encerra a fábrica de serração. Acaba por a vender, conjuntamente com a Vila Rosa, à Sociedade de Adubos Ceres.
Joaquim da Cruz faleceu na Pampilhosa no dia 3 de Agosto de 1975, ficando sepultado, na sua terra natal, Praia do Ribatejo.
Admirador de António José de Almeida e Norton de Matos, Joaquim da Cruz era um republicano indefectível. O seu irmão mais velho, Francisco da Cruz, chegou a ser deputado nacional por três vezes.
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