Esperança e mudança – Parte II
A propósito da tomada de posse de Barack Obama como presidente dos EUA


Quando em Novembro nos debruçámos sobre a eleição de Barack Obama para presidente dos Estados Unidos da América — no Editorial de 12 de Novembro de 2008 — procurámos encontrar no conjunto das características pessoais de Obama e nas mensagens que transmitiu ao longo da campanha eleitoral a justificação para a esolha dos americanos. “Como é que Obama conseguiu convencer a maior parte dos americanos a confiar-lhe a liderança daquela que é a maior potência económica e política do mundo e a incumbência de a tirar da crise? Falou de mudança, de esperança e pôs milhões de pessoas a gritar: “Sim, nós podemos!”. Acreditamos que possa ter sido com isso”, escrevemos há três meses.
Agora, quando escrevemos, poucas horas antes da tomada de posse do 44.º presidente dos Estados Unidos, temos novos dados, geradores de novas reflexões que interessaria serem feitas nesta altura. Reflexões essas que julgamos importantes para perceber o modo de governo dos povos mas, principalmente, para um entendimento do novo paradigma político que Obama introduz. Haverá outros casos na sociedade contemporânea. Aliás, debruçamo-nos sobre este tema porque entendemos que compreendê-lo poderá ser útil para uma maior credibilização, eficácia e eficiência do trabalho político de modo geral, no governo das nações, no governo regional, nos governos locais, na gestão das associações, no fundo, no exercício efectivo da Democracia.
Quando esta edição chegar às mãos do leitor, Obama já terá prestado juramento, e o seu mandato estará inaugurado — a expressão não é nossa, é a oficial. Terão assistido à cerimónia, ao vivo, cerca de quatro milhões de pessoas. Comentadores na comunicação social terão dito que, naquele momento, o índice de popularidade do presidente Obama era de 73 por cento. Um valor que poderá ser encarado como um bom augúrio — trata-se de um valor sem precedentes —, mas que Obama sabe ser, certamente, efémero.
Mesmo com valores altos na popularidade, mesmo com um valor de participação eleitoral sem precedentes, mesmo com um confortável resultado eleitoral, o presidente democrata Obama durante toda a transição deu sinais ao mundo de que, como Abraham Lincoln — presidente republicano que cita recorrentemente —, e como Ronald Reagan — presidente republicano que afirmou admirar —, procurará governar agradando a conservadores, não desiludindo liberais. Procurará governar para o cidadão ideologicamente indiferenciado. Para isso constituiu uma equipa pragmática, liderada ao centro sem a tentação de se colar aos sectores mais liberais ou aos mais conservadores.
Mas onde está a diferença? O tal novo paradigma de Obama? O que é novo neste modelo de Obama é ele ir buscar o paradigma de Lincoln ao contrário do modelo de Blair — um modelo de eleição à esquerda e governação à direita para esvaziamento das propostas da oposição, de que Sócrates é fiel seguidor. Obama prefere trazer os adversários para dentro da sua equipa, fazer dos que derrotou seus conselheiros políticos. O presidente eleito procura soluções para os problemas das pessoas mesmo junto dos seus adversários. Soluções que acolhe venham elas de onde vierem. Trata-se de um modelo que Lincoln usou depois da Guerra Civil Americana, mas cuja eficácia não estará suficientemente confirmada.
Obama procura reproduzir o legado de Lincoln quando chama Hillary Clinton, a sua adversária interna, para assumir, entre outras tarefas, a chefia da diplomacia americana. Obama têm tido reuniões periódicas com John McCain, o candidato republicano que derrotou, no sentido de recolher conselhos sobre política externa. O próprio McCain terá dito, recentemente, que algumas das escolhas de Obama para o Governo também teriam sido as suas. Obama tem, aliás, vários republicanos na sua equipa governativa, alguns até transitam da administração Bush. Para proferir a oração que inicia a cerimónia de tomada de posse, Obama convidou um pastor protestante, ligado à conservadora direita religiosa anti-aborto, mostrando, dando a entender, assim, até onde está disposto a ir no esforço de convergência.
É esta convergência política que vai ser testada e constitui o que apelidamos de novo paradigma político. Será que estaríamos preparados para ver Sócrates, empossado como primeiro-ministro depois das legislativas de 2009, nomear Ferreira Leite como ministra das Finanças, ou Manuel Alegre como ministro de Estado? Será que o sistema partidário português, como o conhecemos, aceitaria que nos municípios o cabeça-de-lista do partido da oposição fosse nomeado vice-presidente pelo presidente da Câmara?
“A convergência em política é possível, mas é perigoso pensar que se pode ter toda a gente no mesmo barco”, dizem alguns politólogos. A Obama caberá mostrar se a afirmação é, ou não, verdadeira.

Editorial do Jornal da Mealhada de 21 de Janeiro de 2009