Crianças autistas: A diferença, na igualdade de oportunidade
Apresentamos na presente edição, [AQUI], uma reportagem sobre crianças autistas e o trabalho da Sala TEACCH — Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children —, um espaço destinado ao apoio a crianças autistas e à sua educação, que, no concelho da Mealhada, foi inicialmente instalado na Escola Básica 1 do Luso, mais recentemente colocado na Escola Básica 2,3 da Mealhada e, desde há poucos meses, transferido para as instalações da Escola Secundária da Mealhada.
O Jornal da Mealhada, em 16 de Abril de 2003, publicou uma extensa reportagem sobre a sala TEACCH, a funcionar, nessa altura, e desde Outubro de 2001, no Luso. Procurámos acompanhar a evolução deste serviço extraordinário de apoio a estas crianças especiais mas nem sempre isso foi facilitado. Constrangimentos de ordem variada levaram a repórter do Jornal da Mealhada, Mónica Sofia Lopes, a aguardar quase dois anos para fazer uma reportagem sobre a sala TEACCH, nessa altura, em 2007, já instalada na EB 2,3 da Mealhada.
O testemunho dos pais da Bruna e do João é tocante. Trata-se de duas famílias do concelho da Mealhada que viram a sua vida completamente transformada com a notícia de que um dos seus filhos sofria de autismo. Não deixaram, no entanto, de lutar, de dar aos seus filhos a dignidade, a tranquilidade, o conforto que estes, como pessoas, como pessoas com direitos iguais aos de todas as outras, mereciam. Sacrificaram-se como, provavelmente, não o fizeram por qualquer outro filho — com idas bidiárias a Coimbra, para os irem deixar e buscar à escola, por exemplo.
Será difícil imaginar o sofrimento destes pais que vêem o corpo dos filhos a crescer, a desenvolver-se, enquanto assistem a uma maior dependência, ao regredir de muitas das capacidades que os filhos já tiveram um dia, nos primeiros dois anos de vida. Imaginarão, apreensivas, como será a vida dos filhos se algum dia lhes faltarem. Terão guardado as expectativas que tinham para estes seus descendentes quando eles nasceram. Estes pais são testemunhos de um Amor profundo, incondicional, grandioso. Tão grande que merece todo o nosso reconhecimento, todo o nosso apoio.
Apoiar significa, então, ajudar estes pais, e os professores e auxiliares de quem estas crianças dependem, na luta pelas condições devidas a fim de que elas possam viver em tranquilidade, com conforto e dignidade. Condições que existem na Mealhada, e orgulhamo-nos disso, agradecendo a quem o tornou possível. Mas quantas crianças autistas, por este país fora, beneficiarão de condições semelhantes?
Nós também podemos ajudar proporcionando, nós próprios, a estas crianças, garantias de normalidade para que elas se sintam bem quando passeiam com os pais na rua, quando entram numa loja ou num café. Quando estão no cineteatro ou numa visita a uma monumento. São crianças que precisam de rotinas, que toleram pouco o quebrar de hábitos rígidos, mas nem por isso deixam de ser pessoas, de reconhecer um sorriso, uma simpatia.
Habituámo-nos, nos anos em que trabalhamos no Jornal da Mealhada, a encontrar o João, a Bruna, o Luís, o Tomás e o Gonçalo em várias actividades da escola EB 2,3 da Mealhada. Lembramo-nos de ver, alguns deles, nas férias desportivas, em exposições de trabalhos, em espectáculos de circo ou no cineteatro Messias. São crianças diferentes, mas são igualmente crianças. Precisam de um tratamento diferente para terem as mesmas oportunidades que as outras. Mas nem por isso deixa de valer a pena dedicar-lhes o tratamento de que necessitam. E por isso são amadas.
Autismo é palavra poderosa, mas não é estranha, não deixa, não deixará nunca de ser assustadora, mas não morde. Poderá remeter-nos para o filme “Rain man — Encontro de Irmãos”, de 1988, com Dustin Hoffman no papel de um doente autista, encontrado pelo irmão cujo papel é representado por Tom Cruise. Mas há, também, quem use as palavras autismo e o autista para adjectivação política, procurando associar ao adversário, a quem são atribuídos os epítetos, falta de capacidade, de visão, para o exercício do cargo. Mas autismo é algo muito diferente. É algo que não pode ou não deve servir, sequer, para a verborreia política.
Editorial de 18 de Março de 2009