15 de Março de 2009, domingo
ATÉ AMANHÃ CAMARADAS – Há livros que mexem connosco. Uns porque nos trazem informações e emoções sobre algo que nos comove. Outros porque ilustram coisas pelas quais sempre lutámos ou o contrário. Ando a ler o “Até Amanhã Camaradas” por causa da Revista VIA que em breve lançaremos. Não sou comunista nem sequer de esquerda, mas aquilo mexe com um gajo. Está escrito para cultivar o martírio e o heroísmo comunista. Mas se tirarmos toda a adjectivação, toda a lustrosidade fica um testemunho muito interessante.
«Cunhal tinha bem consciência — e algumas vezes mo disse — de que a matéria recorrente desse conjunto de novelas e contos, em que brilha como um diamante o romance Até Amanhã Camaradas, é o Partido Comunista, como corpo teórico e prático voltado para a revolução socialista, ou seja, a transformação da nossa sociedade, moldada e esmagada pelo fascismo, numa democracia igualitária, à medida de Portugal. Quase um exército da sombra, uma força organizada composta por homens e mulheres que na luta por essa causa afrontam toda a casta de dificuldades e sacrifícios, cada qual com as suas qualidades e defeitos, suas marcas pessoais, sonhos e fraquezas.
Até Amanhã Camaradas narra a reorganização do Partido Comunista num período difícil e apaixonante de conflitos sociais, greves, manifestações, reuniões clandestinas, distribuição de imprensa. Estas acções, historicamente verídicas, poderiam gerar um discurso frio. No entanto, cada gesto, cada palavra dessas personagens que correm mil riscos e por vezes até parecem poder vergar ao peso das responsabilidades chega a nós cheio de humanidade.
A coragem destes heróis da insegurança e do segredo não exclui a angústia, as apreensões. Alguns desafiam a sua própria natureza e até acontece sucumbirem à doença ou ao cansaço mas, ao longo de todas as peripécias que se vão desenrolando, todos ou quase todos crescem e alguns se agigantam nas ocasiões mais perigosas ou de maior tensão. São muito diferentes uns dos outros, como são os seres humanos na vida corrente.
A amizade, o amor, o ciúme, a gratidão aqui se nos deparam, o que significa que, sendo Até Amanhã Camaradas um romance político, é antes de mais um romance, forte e profundo no modo como nos mostra a evolução dos comportamentos e através dos diálogos não raro desoculta sentimentos recalcados ou exprime emoções, pulsões eróticas, receios, esperanças em torno da realização dos projectos comuns. Sempre na linguagem clara precisa e plástica de Manuel Tiago/Álvaro Cunhal, ágil no descritivo, rápido na condução dos eventos». Urbano Tavares Rodrigues