Dar sentido aos caminhos
O concelho da Mealhada como rota de peregrinações

São milhares os peregrinos que nas últimas semanas atravessaram o concelho da Mealhada a caminho de Fátima. Nos próximos dias esse número aumentará e serão mais notados os grandes grupos que fazem a sua peregrinação ao altar do Mundo — o santuário mariano de Fátima. Nos últimos anos tem-se intensificado, também, o número de peregrinos que, em sentido contrário, ruma a Santiago de Compostela, percorrendo o caminho — considerado património cultural mundial pela UNESCO — até ao túmulo do apóstolo São Tiago Maior, na Galiza.
As centenas de milhares de pessoas que, nestas peregrinações — embora com perfis distintos —, atravessam a região da Mealhada podem constituir uma mais-valia para o concelho em termos culturais, em termos sociais, em termos de vida associativa, em termos económicos, em resultados e em investimentos. Consideramos, ainda, que se trata de uma potencialidade que está por explorar, e cujo aproveitamento urge. A situação económica do país e do Mundo, com um reflexo importante na vida das pessoas que precisam de apoio espiritual, fará aumentar o número de peregrinos para Fátima. A grande divulgação que está a ter, nas publicações da especialidade, o caminho português da peregrinação jacobeia — a Santiago de Compostela — e o facto de 2010 ser ano santo compostelano — Ano Jacobeo — farão aumentar, também, o número de peregrinos para Santiago.
A história do concelho da Mealhada remete-nos para um património de hospitalidade, de acolhimento aos que passam e partem. Bastaria lembrarmos o próprio nome da Mealhada — de meadela, cruzamento de caminhos —, os relatos de viajantes que registaram para a posteridade a existência do povoado, mas também a importância e os reflexos do entroncamento ferroviário da Pampilhosa e da permanência sazonal de aquistas no Luso. Como ponto importante numa rota de peregrinações — as de agora e as de outrora — o concelho da Mealhada é uma plataforma para viajantes, um entreposto de culturas.
Tendo-nos debruçado sobre este assunto, juntamente com um grupo de amigos e de peregrinos, questionámo-nos sobre até que ponto não seria válida a ideia de se constituir uma associação que pudesse chamar a si as tarefas necessárias para fazer o referido aproveitamento, para a região e para o concelho da Mealhada, em particular, das potencialidades que fazem parte das rotas de peregrinos de Fátima e de Santiago. Uma associação que poderia ser formada por pessoas, individualmente consideradas, ou, de modo preferencial, por colectividades de várias naturezas que cumprem já importante ajuda na assistência aos peregrinos. Referimo-nos, por exemplo, à Delegação Concelhia da Cruz Vermelha Portuguesa, à Ordem de Malta e aos escuteiros dos vários agrupamentos do concelho.
Esta associação poderia organizar, de forma coordenada, toda a assistência na saúde a prestar aos peregrinos, não só na rota de Fátima no sentido norte-sul, mas também na rota do Buçaco, que segue pela Pampilhosa para Coimbra. Uma assistência que, mesmo fora do grande fluxo de Maio, poderia ser garantida com o apoio do Hospital da Misericórdia da Mealhada, por exemplo.
Outra das tarefas importantes que há a fazer no âmbito da assistência aos peregrinos é na marcação e na sinalização dos caminhos. Há muitos peregrinos de Fátima, principalmente, que arriscam muitas vezes a sua segurança por não conhecerem alternativas. Interessa marcar o caminho, o mais seguro, e sinalizar tudo o que possa constituir uma ajuda a esses caminhantes — fontanários, comércio local (supermercados, farmácias, lojas de calçado, etc.), telefone público, multibanco, capelas e igrejas, casas de banho públicas. Neste âmbito interessaria distinguir o perfil dos peregrinos de Fátima dos de Santiago. Os peregrinos de Fátima — entre os quais, há um número significativo de pessoas com idade mais avançada — preferem a velocidade, querem chegar o mais rápido possível, arriscam meter-se por atalhos, mesmo que com menos segurança, para atingirem o seu objectivo. Os peregrinos de Santiago, por outro lado, a semanas de chegarem ao destino, são mais contemplativos, procuram desfrutar da paisagem, da cultura e da gastronomia das zonas por onde passam, procuram passar pelos centros históricos e evitam as estradas alcatroadas nas ligações entre localidades. São, em largo número, estrangeiros, jovens e de meia-idade. Fará sentido, por isso, alterar as rotas habituais com percursos mais adequados a cada um destes dois tipos de peregrinos.
Há, ainda, um manancial de possibilidades para a promoção de outras características do concelho junto de quem passa pelas terras do município e pode levar daqui vontade de regressar. E há todo um aproveitamento cultural que se pode tirar deste fenómeno de peregrinação — pela investigação de peregrinos famosos, do legado deixado por centenas de anos de passagem de viajantes, pela própria história dos caminhos de Fátima, por exemplo — com a realização de debates, exposições, publicação de trabalhos escritos sobre o assunto. Note-se, a título de curiosidade, que a tarefa de marcação do caminho de Lisboa ao santuário de Fátima — num modelo próximo do que preconizamos — foi levada a cabo pelo Centro Nacional de Cultura.
A ideia que se nos apresentou passa pela associação de pessoas e colectividades na realização deste tipo de acções que nos parecem essenciais. Não enjeitamos, no entanto, que esta actividade deva ser acompanhada pelas autarquias locais e pelas estruturas paroquiais e diocesanas da Igreja Católica. Entendemos, até, que, na ausência de acção ‘popular’, possam ser a Câmara Municipal da Mealhada, as Juntas de Freguesia e as associações que assim o entendam a pôr mãos à obra e ajudarem a fazer caminho, a dar, e a ajudar a dar sentido a este mesmo caminho, que é de busca do divino e, acima de tudo, de descoberta pessoal.