Hoje, 4 de Outubro, é Dia de São Francisco de Assis. São Francisco é o santo da minha devoção. E o seu ideário (político?) acabou por ser um importante pilar da minha formação espiritual.
Francisco de Assis é um revolucionário na transição dos séculos XII e XIII. Numa altura particularmente radical, o rapaz rico de Assis, filho do mercador da cidade e da francesa com quem ele casou, o rapaz é um playboy, um esbanjador, até à conversão. Uma conversão que se faz de modo muito simples: “Reconstroi a minha Igreja!”. Nunca se saberá se Deus que falou a Francisco na Cruz de São Damião lhe pedia que reconstruísse aquela capela em ruína, se a Igreja Católica, a de Pedro já nessa altura com mais de mil anos.
O despojamento dos bens materiais, a vida simples de contemplação da natureza que Franscisco adopta é uma afronta para a Igreja dos palácios, do ouro, da escravatura e da opulência da hierarquia. A pobreza de Cristo é, nessa altura, importante tema de discussão teológica para dirimir e definir quem tinha razão no duelo – muito mais político que teológico. [A este propósito, imperdível o enredo de ‘O Nome da Rosa’, de Humberto Eco que o cinema adapta, mais tarde]
Franscisco é o homem do culto da natureza como obra de Deus. ‘O Cântico das Criaturas’ é, ainda hoje, peça poética de rara beleza. E também aí revoluciona. Ao chamar irmão ao Fogo, irmã à Água, e irmãos aos animais – porque todos criaturas de Deus -, Francisco coloca toda a criação num mesmo pé de igualdade. Numa sociedade teocrática – com Deus no meio – o colocar do homem (criado à imagem e semelhança de Deus) ao mesmo nível dos cavalos, dos porcos, dos bois ou das galinhas, não pode ser pacífico. Mas Franscisco fá-lo.
Francisco é um ‘primeiro’ ecologista (ECO é casa em grego). O ‘pobrezinho de Assis’ – a imagem ainda hoje existe – é o santo padroeiro da protecção da Natureza, e por isso hoje é, também, Dia Mundial do Animal.
O que faz algum sentido relembrar no Ano Internacional da Biodiversidade!
Visitei Assis em Setembro de 1996, quando fazia o Inter-rail com Nuno Cruz, mano velho. A ida à cidade da Umbria não estava nos planos iniciais e faz-se já ‘no regresso’.
Nos primeiros dias em Itália, em Piza, tinhamos comprado dois taus, um para cada um. Eu já nessa altura era um ‘fransciscanista’. O tema interessava-me desde há um ano a essa parte, incentivado pelo contacto (indirecto) com Rui Costa e com os Jovens Cristãos de Luso, que, nessa altura, me forneceram muito material para que eu aprofundasse o meu interesse.
A compra do tau, que eu já cobiçara tantas vezes, nomeadamente ao Bruno Coimbra que nessa altura costumava usar um, fez-me discutir o tema com o Nuno, nessa viagem de quinze dias – eu com 17 anos ele com 18. E quando uma pessoa fala do que gosta influencia.
Em Atenas, no fim de uma almoço que não existiu, oiço, com estupefacção, o Nuno sugerir a passagem por Assis a caminho de Veneza, já no regresso. Foi fantástico.
Chegámos a Assis de noite. A estação de comboio era muito florida e bonita. Às escuras, de mochila às costas, fomos até ao albergue, ao ‘Ostello della Pace’. Quando acordámos e abrimos a janela, num dia frio e cinzento, deparámos-nos com uma imagem muito parecida com a da fotografia que está acima. A cidade de Assis triunfava deitada sobre a montanha.
Subimos a encosta e vistámos a cidade. A tranquilidade, a claridade da cidade, a nossa paz de espírito fizeram o Nuno dizer – mais vezes do que seria de esperar -: “Isto parece Casal Comba!”.
E se calhar ao Nuno parecia. Mas não por estar na fralda da serra, nem pela morfologia do espaço (e até tem parecenças), mas pelo facto de sentir em casa. Em Assis ele sentia-se em casa. E eu também!
Espero voltar em breve!