A décima edição da Feira de Artesanato e Gastronomia do Município da Mealhada constitui um facto digno de registo. A feira é uma realização que tem conseguido manter-se e subsistir perante vicissitudes a que não resistiram outras actividades. Numa cidade onde as festas religiosas tradicionais já não são acompanhadas das diversões profanas que atraíam milhares de pessoas, onde, para além dos festejos carnavalescos, já não se tem verificado a concretização de outras iniciativas recreativas e culturais do género, promovidas por associações ou comissões, realizações destas, mesmo que com organização exclusiva da Câmara Municipal, são muito relevantes.
O facto de só através da administração pública autárquica se conseguirem promover realizações recreativas e culturais de vulto na cidade da Mealhada é coisa que consideramos preocupante. As únicas excepções poderiam ser, como já se disse, os festejos de Carnaval e a Expo Mealhada, mas, se esta não teve continuidade por causa do (não) financiamento municipal, sobre a outra não tem deixado de pairar o mesmo fantasma. Ou seja, o financiamento autárquico é, na Mealhada — e contrariamente ao que se verifica em outras localidades do concelho —, condição sine qua non para qualquer realização de vulto. E é pena porque a iniciativa pública deve, em determinados casos, apoiar a iniciativa privada, associativa ou comunitária, e, acima de tudo, não a limitar, nem por acção nem por omissão.
Muitas pessoas, e algumas até com responsabilidades políticas, têm manifestado a opinião de que o conceito subjacente à Feira de Artesanato e Gastronomia do Município da Mealhada está ultrapassado, é limitado e não corresponde à necessidade de promoção de que o concelho enferma. É um tema interessante que, na nossa opinião, merece análise e discussão responsável.
A Feira das Tasquinhas, como vulgarmente passou a ser designada, é uma realização importante para a solução de um problema de que o concelho da Mealhada padece. Apesar de territorialmente pequeno, comparado com a área de alguns dos que com ele confinam, há entre a sua população manifestações de bairrismo que geram polémicas separatistas. Trata-se de questões que têm décadas, mais de um século, até. Questões sociais, questões culturais, questões políticas, que foram utilizadas, e promovidas, em nome, até, da estabilidade de regimes e de politicas. O gentílico mealhadense, por exemplo, não é assumido pelas pessoas que, mesmo sendo munícipes do concelho da Mealhada, não residem na sede do município, nem dela são naturais.
Não havendo no concelho o costume da celebração oficial e pública do feriado municipal, nem foi designado o dia do município, a Feira de Artesanato e Gastronomia é uma forma de satisfazer uma necessidade básica da população do município — a da promoção da unidade. A referida feira ao ter tasquinhas representantes de cada uma das freguesias do concelho da Mealhada, cujas juntas entregam a respectiva exploração a associações culturais e desportivas locais, está a prestar um serviço ao desenvolvimento do espírito de unidade que deve existir no município. Também é pela diferenciação que se unifica. A existência de uma representação de cada freguesia, ainda que, apenas, por intermédio de tasquinhas, constitui factor de atracção e motivo para que pessoas de todo o concelho afluam à feira e façam dela, e do jardim municipal da Mealhada, um espaço de convívio.
Consideramos que o conceito desta feira deve manter-se, como uma iniciativa para consumo interno do concelho e como contributo para solução de um problema específico. Os destinatários da feira devem continuar, essencialmente, a ser os munícipes da Mealhada. A feira deve manter-se no Jardim Municipal, que é também um símbolo, com as tasquinhas por freguesia, e com o ar aconchegante e típico que tem hoje.
Mas não tem o concelho da Mealhada a necessidade de se afirmar, no contexto regional, como pólo de desenvolvimento cultural e empresarial, por exemplo? A resposta é óbvia. Entendemos, no entanto, que não é acabando com a Feira de Artesanato e Gastronomia, dando-lhe nova dimensão ou mudando a sua concepção que o concelho se afirma a nível regional. É criando mais um certame, com um público alvo mais amplo, com uma data pensada estrategicamente, num local adequado. Uma realização que pode ser ao ar livre ou num espaço fechado, desde que com condições de qualidade, ou de funcionalidade, para a venda de produtos gastronómicos. Deve ter sempre um programa de recreio e cultura, com realizações de qualidade e visibilidade nacional, entre as quais exposições e espectáculos.
A Câmara da Mealhada tem necessidade de criar esse certame. Consideramos que o sucesso do projecto da marca “Quatro Maravilhas da Mesa da Mealhada” assim o impõe. A Câmara da Mealhada, porém, não deveria fazer isso sozinha. Deveria promovê-lo com o estabelecimento de parcerias públicas, com os organismos públicos de turismo e de agricultura (tutela da gastronomia e da viticultura), e com entidades privadas, como a Associação Comercial e Industrial da Mealhada, a Associação dos Hoteleiros e Industriais do Leitão Assado à Bairrada, a Confraria do Leitão da Mealhada, a Confraria dos Enófilos da Bairrada, ou a Sociedade da Água de Luso. E nesse certame poderia satisfazer a necessidade de promoção externa. Enquanto isso a “feirinha das Tasquinhas” deve continuar com o mesmo conceito, com as adaptações que se impuserem, mas dando oportunidade aos munícipes para se encontrarem e criarem laços de solidariedade, de convivência, de afectos, ali, no jardim municipal da sede do concelho.
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Feiras, feirinhas e feirões…
Editorial do Jornal da Mealhada de 11 de Junho de 2008