Há momentos (especialmente) em que a chamada questão religiosa se apresenta como um completo disparate. Hoje, 23 de setembro de 2015, é um desse dias. Não falo do facto de o Papa Francisco ter saído hoje do mais comunista (e logo anticlerical) dos países do mundo, em direcção a um país onde a maioria é cristã, mas protestante, para falar perante a Assembleia-geral das Nações Unidas, essa entidade que procura manter o mundo estável, esse mundo em que os cristãos são a população mais perseguida e massacrada das comunidades religiosas. Não é dessa questão religiosa que eu falo.
Falo do facto de ser um disparate olhar para as três religiões monoteístas – Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – como se fossem coisas diferentes e antagónicas, sem quaisquer pontos de contacto.
Se querer estar a tornar demasiado simples o que é complexo… a ponto de matar milhões de pessoas ao longo dos séculos, mais por vontade dos Homens do que por vontade de Deus, compreenda-se.
Os judeus celebram hoje o Yom Kippur, o Dia da Expiação. Dez dias depois do Rosh Hashaná, o ano novo judaico, em jejum de 25 horas, com um conjunto muito severo de restrições alimentares, sexuais e até de higiene, o crente é chamado a fazer a sua expiação, em que o propósito é mesmo o de “afligir a alma”, como prescreve o Levítico 23:27.
A essência destas proibições é causar aflição ao corpo, dando, então, prioridade à alma. Pela perspectiva judaica, o ser humano é constituído pelo yetzer hatóv (o desejo de fazer as coisas corretamente, que é identificado com a alma) e o yetzer hará (o desejo de seguir os próprios instintos, que corresponde ao corpo). Nosso desafio na vida é “sincronizar” nosso corpo com o yetzer hatóv. Uma analogia é feita no Talmud entre um cavalo (o corpo) e um cavaleiro (a alma): É sempre melhor o cavaleiro estar em cima do cavalo!
Hoje, sim hoje, os muçulmanos celebram o Eid al-Adha, a Festa do Sacrifício. O Islão lembra, setenta dias depois do Ramadão, e no fim da Hajj – a peregrinação a Meca – o conhecido episódio em que Abraão, em fidelidade ao pedido de Deus, se confronta com a contigência de sacrificar o seu próprio filho, o seu tão esperado e adorado filho, por fidelidade.
Tanto Judeus como Muçulmanos estão hoje em festa, porque a Expiação e o Sacrifício – tal como a Sexta-feira santa é para os católicos uma festa e um sacrifício – são festividades religiosas para quem acredita que o sacrifício e a expiação é uma forma de chegar a Deus.
Tão longe e tão próximos, afinal…
Claro que a proximidade também motivo de rivalidade e de discórdia… Os judeus (e os cristãos também) consideram que o rapaz que Abraão é impelido a sacrificar é Isaac – filho legitimo de Abraão, fruto do casamento com Sara, de quem vai descender toda a família judaica -, já os muçulmanos consideram que a criança é Ismael – mais velho que Isaac e fruto da relação de Abraão com uma escrava, Hagar, que depois de Sara exigir, Abraão repudia e manda para o deserto, e do qual descendem os muçulmanos -. Enfim…