A tradição parlamentar portuguesa instituiu uma figura a que vulgarmente se chama ‘imunidade parlamentar’ no sentido de evitar que a maioria das discussões no hemiciclo de São Bento terminassem no pátio em duelos para defesa da honra e acertos de contas. A verborreia parlamentar encontrou, assim, na segunda metade do século XIX, uma medida cautelar para subsistir e desenvolver-se, escondida na figura do “tudo pode ser dito”.
Vem isto a propósito do debate parlamentar de quarta-feira em que os deputados puderam insultar-se mutuamente sem pudor num espetáculo paupérrimo em que adjetivos como ‘ladrão’ ou ‘mentiroso’ deixaram de ser insultos para ser um nome próprio associado aos políticos, nomeadamente aos primeiros-ministros.
Na quarta-feira, depois de ouvir, da parte da deputada Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, a afirmação de que “a sua palavra não vale nada”, o primeiro-ministro entendeu que não deveria usar palavras que nada valem respondendo a alguém que, provavelmente queria apenas ouvir apenas o eco das suas próprias palavras…
‘Aqui d’El Rei’ que o primeiro-ministro ofendeu os eleitos do povo porque não lhes respondeu. A classe comentarista dominante logo veio em defesa da tese de antidemocrática atitude que as cadeiras do anexo palacete de São Bento incorpora nos primeiros-ministros.
Pois bem. Parece-me que o primeiro-ministro fez muito bem. Não pode tudo ser dito, não podemos banalizar as atitudes e os discursos. A verdade e o respeito são coisas diferentes e nenhuma das duas se pode sobrepor à outra. O areópago do país denigre a Nação, se se denegrir a si próprio.
Não temos de ouvir tudo. Não temos de abdicar da espinha dorsal em nome da legalidade regimental de uma alegada imunidade pelo vale tudo. O exemplo é a única forma de educar (e governar).