O Governo foi empossado há pouco mais de dois meses. No entanto, já se ouvem criticas duras à governação. As criticas vindas da parte dos partidos de oposição são naturais, e até salutares. Estranhas são as criticas de personalidades (antigos líderes, até) vindas do interior dos partidos que suportam o Governo. Nomeadamente do PSD – que tem uma tendência autofágica impressionante…
Mas o que acaba por ser mais estranho (sintomático?) é o facto de algumas dessas criticas mais ferozes surgirem na sequência do anúncio governamental de aumento extraordinário de taxas de IRS para os escalões mais elevados, e de IRC para as empresas que apresentam lucros superiores a 1,5 milhões de euros. Dito de outra forma: As criticas surgem quando se verifica o aumento extraordinário nos impostos dos mais ricos (Coisa que todos os portugueses exigiam na Praça Pública).
Eu não sou dos que acha que os mais ricos devam ser taxados especialmente, como se fossem culpados por terem mais dinheiro. Até porque se taxarmos percentualmente – e por escalões – já estamos a taxar suplementarmente quem mais possui (há malta a entregar ao Estado 42 por cento do que ganha). Mas esta medida compreende-se. Assim como se compreendem as criticas vindas de alguns setores do PSD e do CDS. Em Itália, por exemplo, Berlusconi viu-se mesmo obrigado a voltar atrás com uma medida semelhante, tal foi a pressão interna.
O que fizeram Passos Coelho e Gaspar foi uma medida típica da Terceira Via de Blair: O Governo antecipa-se à oposição e aplica uma medida típica que a oposição defenderia, esvaziando-a. Blair foi o paladino desta estratégia (o New Labour e a Terceira de Via, de Giddens, estabelecem-no) e Sócrates fez a mesma coisa, assim como muitos outros líderes europeus.
E a coisa parece estar a resultar, na semana em que reúne o Congresso do Partido Socialista. Se repararmos, a Esquerda não está a ser capaz de criticar, de modo perentório, a medida. E não está a conseguir ir além da critica do corta e cola. Por outro lado, as criticas internas de alguns notáveis do CDS – como Lobo Xavier e Pires de Lima, que certamente são tocados pela medida – também não deixam de favorecer o parceiro do PSD na coligação (a um mês de eleições regionais na Madeira), que assim se mostra divergente e livre de responsabilização nos insucessos do Governo (numa pasta gerida por um independente).
Mas há criticas ao Governo que são justas! Como a critica de que há uma falha na comunicação pública das medidas do Governo. Na forma (este cartoon de Henrique Monteiro, a esse respeito. é particularmente feliz), e, ainda, no tempo. Já na campanha eleitoral o PSD foi ineficiente na estratégia comunicacional. E a deficiência mantém-se!
Não basta dizer que a despesa pública, em 2012, vai ter o maior corte dos últimos 50 anos. Interessa apresentar essas medidas paralelamente à exigência de maiores sacrifícios dos portugueses. Até porque – se esse corte se verificar realmente – isso vai agradar aos portugueses que estão as sofrer, e poderá servir de estímulo para resistir e agir com resiliência.
Claro que os cortes da despesa pública se vão suportar na diminuição de gastos com responsabilidades sociais do Estado – ordenados da Função Pública, pensões e outras prestações sociais. E vão ser estes os cortes principais porque estas são, também, as despesas principais do Estado. Mesmo que os membros do Governo trabalhassem todos à borla, fosse para Paris de Sud-express ou andassem de papa-reformas em vez de carros de alta cilindrada, a despesa do Estado não desceria significativamente.
Espero que o Governo corte, realmente, nas despesas supérfluas. Como os institutos que não servem para nada, as fundações da treta, os contratos externos de auditoria, aconselhamento e estudos…
Ou seja, eu também acho que já vai sendo tempo de se conhecerem os cortes mais corajosos dos últimos 50 anos!
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