Instalei-me, ontem, em frente à televisão por cabo, para desfrutar dos parlamentares rituais de assunção da nova presidente da Assembleia da República. E gostei.

Gostei do discurso de Assunção Esteves. Apesar de achar que nem todos os que ali estavam o terão compreendido. O sotaque transmontano da nova presidente não é a única coisa áspera e de dificil digestão de uma académica clássica, self-made woman – como os academistas de outros tempos -. Diz José Adelino Maltez – no facebook e AQUI – a propósito do discurso (de assunção) da segunda figura da hierarquia do Estado Português: “O discurso de Assunção Esteves demorou trinta anos a fazer! “. E acrescenta:

“Finalmente, uma neokantiana emerge no meio desta tristeza decadentista, barroca, utilitária e de neopositivistas, mal arrependidos de um marxismo de pacotilha. E Assunção fez a justiça de invocar Marx, o tal que um dia disse que não era marxista, quando reparou como a criatura se estava a refazer contra o próprio criador.
Há uma pequena coisa chamada coerência de princípios que, quando confirma a autenticidade, nos puxa para cima, em assunção que também pode ser ascensão. Quando a democracia rima com filosofia, o resultado pode ser esta razão prática”.

No discurso de assunção – não me canso de usar o trocadilho – a nova presidente (sem precisar de estabelecer o neologismo presidenta como outras têm necessidade de o fazer) mostrou que percebe o seu tempo e falou de reaproximar as pessoas do exercicio político, que percebe a missão de que está incumbida e falou de mandato, que percebe a necessidade de acção e serviço e falou de reinventar a Democracia.

Assunção Esteves é uma mulher brilhante, membro da Sociedade Portuguesa de Filosofia – uma neokantiana, como diz Maltez – e por isso fez um discurso da sua condição. Foi a primeira mulher a assumir o lugar de juiz do Tribunal Constitucional, e é uma constitucionalista de excepção.

Gostei do consenso gerado em torno do seu nome.

Gostei de ter sido Assunção Esteves o nome escolhido para o cargo.

E gostei de ter sido uma mulher a escolha do PSD. Não por qualquer espécie de paternalismo ou machismo paternalista – a que ela, aliás, não recorreu -, mas porque não sendo os homens e as mulheres iguais – porque não o são, de facto – a missão que se lhe predestina é muito mais de aproximação, de amor, de sensibilidade, de estratégia e de inteligência (caracteristicas do género feminino), do que de força ou estatuto.

Deu-se a Ascensão de uma Maria, ao topo da hierarquia do Estado Português, a um mês de se assinalar o 32.º aniversário da posse de uma mulher como primeiro-ministro (Maria de Lurdes Pinatssilgo, no V Governo Constitucional – a segunda da Europa, dois meses depois de Thatcher -). Não deixa de ser curioso que tal facto venha a acontecer, uma vez mais, num período díficil da história de Portugal – como acontece desde D.Maria I e D.Maria II -, e na história da Democracia.

E se Ascensão é subir, Assunção é assumir, e a doutora de Valpaços, ontem, assumiu muito bem o papel. E que tudo lhe/nos corra bem.

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