Não perderia o discurso de Álvaro Barreto no “10 de Junho” por nada deste mundo. O sociólogo e presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, e presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do 10 de Junho, é um intelectual de excepção e um conhecedor e pensador extraordinário da portugalidade.
A minha admiração é longinqua. Tenho recortes de entrevistas suas com vinte anos – hoje depositados na impenetrável biblioteca instalada na casa dos meus pais -, mas é dos últimos discursos no 10 de Junho que tem aumentado a minha expectativa sobre o que vai dizer a seguir. Poderia dizer-se que não se compreende por que razão não está um homem desta craveira intelectual num lugar de Estado. Mas compreende-se, e no seu passado político há uma linha – duas palavras – que mostram que aos visionários cabe um papel na sociedade que pode ser tão importante como o de executivo. As duas palavras são “Lei Barreto”. E desde cedo as li nas paredes da Moagem de Proença-a-Velha, e à inscrição “Abaixo a Lei Barreto”.
Ouvi as palavras de António Barreto em Castelo Branco com entusiasmo. Com mais entusiasmo do que o presidencial discurso, confesso. E confesso, também, que, apesar de me considerar de férias, assumi que tinha de as registar n’O fio dos dias. Não as coloquei logo. Esperei para hoje, para o Dia# 0 do Futuro de Portugal para as reendereçar a Pedro e Paulo, pedindo-lhes que as oiçam, que sobre elas reflictam e que para além dos acenos de cabeça condescendentes as ponham em prática.
Barreto dixit:
«É muito difícil atrair os jovens à participação cívica e à vida política. É quase impossível. Mas é possível. Se os mais velhos perceberem que de nada serve intoxicar a juventude com as cartilhas habituais, nem acreditar que a escola a mudará, nem ainda pensar que uma imaginária “reforma de mentalidades” se encarregará disso. Se os dirigentes nacionais perceberem que são eles que estão errados, não as jovens gerações, às quais faltam oportunidades e horizontes. Se entenderem que o seu sistema político é obsoleto, que o seu sistema eleitoral é absurdo e que os seus métodos de representação estão caducos.
Como disse um grande jurista, “cada geração tem o direito de rever a Constituição”. As jovens gerações têm esse direito. Não é verdade que tudo dependa da Constituição. Nem que a sua revisão seja solução para a maior parte das nossas dificuldades. Mas a adequação, à sociedade presente, desta Constituição anacrónica, barroca e excessivamente programática afigura-se indispensável. Se tantos a invocam, se tantos a ela se referem, se tantos dela se queixam, é porque realmente está desajustada e corre o risco de ser factor de afastamento e de divisão. Ou então é letra morta, triste consolação. Uma nova Constituição, ou uma Constituição renovada, implica um novo sistema eleitoral, com o qual se estabeleçam condições de confiança, de lealdade e de responsabilidade, hoje pouco frequentes na nossa vida política. Uma nova Constituição implica um reexame das relações entre os grandes órgãos de soberania, actualmente de muito confusa configuração. Uma Constituição renovada permitirá pôr termo à permanente ameaça de governos minoritários e de Parlamentos instáveis. Uma Constituição renovada será ainda, finalmente, o ponto de partida para uma profunda reforma da Justiça portuguesa, que é actualmente uma das fontes de perigos maiores para a democracia. A liberdade necessita de Justiça, tanto quanto de eleições.
Pobre país moreno e emigrante, poderás sair desta crise se souberes exigir dos teus dirigentes que falem verdade ao povo, não escondam os factos e a realidade, cumpram a sua palavra e não se percam em demagogia!
País europeu e antiquíssimo, serás capaz de te organizar para o futuro se trabalhares e fizeres sacrifícios, mas só se exigires que os teus dirigentes políticos, sociais e económicos façam o mesmo, trabalhem para o bem comum, falem uns com os outros, se entendam sobre o essencial e não tenham sempre à cabeça das prioridades os seus grupos e os seus adeptos.
País perene e errante, que viveste na Europa e fora dela, mas que à Europa regressaste, tens de te preparar para viver com metas difíceis de alcançar, apesar de assinadas pelo Estado e por três partidos, mas tens de evitar que a isso te obrigue um governo de fora.
País do sol e do Sul, tens de aprender a trabalhar melhor e a pensar mais nos teus filhos.
País desigual e contraditório, tens diante de ti a mais difícil das tarefas, a de conciliar a eficiência com a equidade, sem o que perderás a tua humanidade. Tarefa difícil. Mas possível.»
o problema de alterar o sistema eleitoral é que esta hipótese nunca "interessa muito" a quem está na oposição, porque o sistema eleitoral a ser mudado será precisamente para ser mais fácil conseguir maiorias e, consequentemente, estabilidade. ora beneficiar quem ganha eleições dificulta que se chegue a um consenso quando se sabe que um determinado partido está na mó de cima e outro não…infelizmente é a "política" que temos.