Pelos que tombaram pela Pátria (de novo)
Assinalou-se no dia 15 de março – com sessão presidida pelo Chefe de Estado –, o 50.º aniversário da Guerra, conhecida em Portugal como “do Ultramar” ou “Colonial”, conhecida nas antigas colónias do Império Português como “da Libertação”. Na comunicação social portuguesa, o aniversário foi amplamente assinalado por alturas do 4 de fevereiro – dia em que se assinalou a “Revolta de Luanda”, com ataques à Casa de Reclusão, ao quartel da PSP e à Emissora Nacional, acção considerada como o início da luta armada em Angola. O Presidente da República e o Chefe do Estado-maior das Forças Armadas entenderam assinalar o acontecimento no dia em que o primeiro reforço militar embarcou de Lisboa para Luanda, e, curiosamente, se deu o ataque das UPA a civis no norte de Angola.
Em abril de 2008, em dois editoriais em que lembrámos os 90 anos da Batalha de La Lys, durante a Primeira Guerra Mundial, na região da Flandres, na Bélgica, e onde se integraram vinte mil soldados do Corpo Expedicionário Português – a maior catástrofe militar portuguesa depois da batalha de Alcácer-Quibir, em 1578 – assinalámos a necessidade de se implantar na cidade da Mealhada um monumento especialmente erigido para homenagear os combatentes na Guerra Colonial portuguesa (1961-1974).
Desde 2007 que um grupo de antigos militares mealhadenses – que fizeram comissão na Guiné – se reúne anualmente e tem promovido a homenagem aos militares da Guerra Colonial em cada uma das freguesias do concelho. Em cada um delas tem sido erigido um monumento cuja edificação tem sido apoiada pelas juntas de freguesia. Uma iniciativa que nos parece muito salutar e digna do maior elogio.
Este grupo voltará a reunir-se no sábado, dia 2 de abril, desta feita em Casal Comba, e a eles, especialmente, renovamos o desafio que já aqui alvitrámos em 2008: o da construção de um monumento na sede do concelho com dignidade suficiente para nele se reverem não só os antigos militares mealhadenses, não só os familiares dos dezassete jovens do concelho que tombaram em África – que regularmente depositam flores nas lápides que se encontram anexas ao monumento aos mortos na Primeira Grande Guerra, no jardim municipal –, mas todos os portugueses que necessitam de assumir a Guerra Colonial como parte do nosso passado coletivo recente, com fortíssimas implicações no presente.
No decorrer da semana passada, um colaborador do Jornal da Mealhada, bom amigo desta casa, buscando uma edição antiga onde dera a mesmíssima sugestão – no Jornal da Mealhada de 10 de setembro de 2003 – disponibilizava-se para ajudar nessa demanda, a da construção de um monumento próprio para homenagear os combatentes da Guerra Colonial na sede do concelho. Disponibilidade essa a que o Jornal da Mealhada – a redação e a gerência da empresa proprietária – se associam.
Fará sentido que este monumento nasça, em primeiro lugar, da vontade e do esforço das pessoas, do grupo dos antigos militares da Guiné que já está organizado, e que só mais tarde se associem as autarquias locais – porque temos a certeza que se associarão. Há gestos que ganham significado se resultarem da vontade e do gesto dos homens, antes de o serem pela ação do Estado.
São muitas as dezenas de convívios de militares participantes na Guerra Colonial, que se realizam na Mealhada. Na Internet há vários sítios que divulgam esses encontros. Eles, de certo modo, funcionam como meio de exorcizar angústias, medos e frustrações, por meio do convívio entre pessoas que, juntas, ultrapassaram dificuldades, presenciaram coisas e factos muitos dos quais traumatizantes e, porventura, inimagináveis para tantos de nós. Pessoas que criaram, entre si, laços de cumplicidade, de solidariedade, de amizade. Reúnem-se na Mealhada, acreditamos, por uma questão de centralidade geográfica e de oferta de restauração.
A construção de um monumento na cidade da Mealhada, no jardim ou no Parque da Cidade, por exemplo, em homenagem aos combatentes da Guerra Colonial — a todos eles —, constituiria, também, uma forma de reconhecimento nacional e de referência para todos estes grupos de antigos militares que aqui se reúnem. Como aqui se concentram, aqui teriam um lugar digno, especial, para homenagear os que, como eles, estiveram envolvidos em conflitos militares pela pátria. Uma iniciativa que, certamente, teria o apoio das associações de veteranos de guerra e constituiria um gesto de justiça.
Fica, de novo, a sugestão.
Editorial do Jornal da Mealhada de 23 de março de 2011
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