O líder do maior partido da oposição, Pedro Passos Coelho, na passada sexta-feira, 5 de Novembro, em Viana do Castelo, (num entusiasmo pré-eleitoral?) defendeu que “aqueles que conduzem a maus resultados e a incumprimentos” – agentes políticos enquadre-se – “devem ser responsabilizados civil e criminalmente”. Estas declarações surgem como corolário de uma semana marcada pela viabilização do orçamento de Estado para 2011, com a abstenção do PSD, e ao mesmo tempo, e estranhamente, na opinião dos especialistas, marcada pelo aumento do juro da dívida soberana portuguesa e pela agressividade discursiva do PSD no debate do orçamento… que viabilizou.
As declarações de Pedro Passos Coelho foram imediatamente contestadas pelo porta-voz do Partido Socialista, que as classificou como “indignas e irreflectidas”. Também Vieira da Silva, ministro da Economia, se apressou a acusar Pedro Passos Coelho de falta de conhecimento das regras do Estado de Direito, “onde todos, sem excepção, estão sujeitos à lei”.
Se as declarações de Passos Coelho são incendiárias, as dos representantes do PS e do Governo são incompreensíveis. Passos Coelho terá usado de uma demagogia primária, ao dizer o que o povão há muito sussurra, e terá recorrido a um argumentário populista – esquecendo (ou procurando fazer esquecer?) que a cumplicidade também é criminalmente punível. Mas não será a ideia descabida, apenas, a quem tem alguma coisa a temer?
Marcelo Rebelo de Sousa criticou o momento escolhido pelo líder dos social-democratas para proferir este tipo de considerações, mas – talvez colocando a borla de académico constitucionalista – não deixa de salientar que já há institutos jurídicos que responsabilizam criminalmente os políticos. “Há mesmo um crime de violação das normas de execução orçamental” terá dito o constitucionalista no seu programa televisivo de comentário politico, acrescentando: “pode alargar-se os crimes de gestão danosa”. Para logo acrescentar: “Eles existem na lei, a aplicação na prática é que tem sido muito discutível!”.
Uma ética de responsabilidade – na actual conjuntura sociológica da realidade ocidental de esgotamento e falência do conceito de autoridade – só se consegue imprimir pela força e pela criminalização. A lógica da imunidade parlamentar para uso livre de uma retórica exacerbada devia ter acabado com a falência do parlamentarismo rotativista do fim da Monarquia e da Primeira República. O dolo e a negligência, na gestão da res publica devem ser tão censuráveis como em qualquer outra dimensão social do homem que vive em comunidades. E é por aí que segue o primado da lei e a igualdade formal dos homens perante a lei. Porque razão é punido um profissional que agiu com negligência na sua acção laboral e não é punido um deputado que produziu uma lei danosa para a comunidade? Dirão sempre alguns que a urna eleitoral julga os maus políticos. Julgará? Será isso verdade? Será o direito plebiscitário da simpatia eleitoral justo? Será sequer direito?
A maioria de esquerda do Parlamento da Islândia, em 28 de Setembro de 2010, aprovou uma moção que determinava a apresentação a tribunal especial do primeiro-ministro que levou o país à bancarrota, o conservador Geir Haarde, por alegada negligência no que resultou no colapso bancário de Outubro de 2008. Dias antes foi tomada idêntica medida relativamente a três outros dignitários do Governo de Haarde – o ministro das Finanças, do mesmo Partido da Independência que o chefe do Governo, o ministro dos Negócios Estrangeiros e líder do partido social-democrata, e o ministro do Comércio.
A responsabilização – seja criminal ou meramente civil – dos políticos, como se vê, não é um exclusivo da Direita ou da Esquerda. Trata-se, acima de tudo, de um sinal dado à classe política – islandesa, portuguesa, ou outra qualquer – “de que a imunidade política pouco vale quando o interesse nacional está em jogo”. Se até um voluntário pode ser responsabilizado criminalmente pelos seus actos, porque razão não o é um politico? A quem, tantas e tantas vezes – apesar das excepções – falta sentido de Serviço e sobeja ganância?
Por questões de espaço, a versão impressa do Editorial do Jornal da Mealhada de 10.11.10 foi (consideravelmente) adaptada relativamente a este texto.