Papismos?
A propósito da visita de Bento XVI a Portugal

“Cristianismo, sabedoria e missão” é o tema da visita pastoral e diplomática que o Papa Bento XVI realiza a Portugal até sexta-feira. Segundo o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, o padre Manuel Morujão,: “O tema está ligado aos valores, a pôr em prática esses valores, a viver a missão, não viver para dentro de portas, mas vivendo saindo, servindo a sociedade onde a Igreja se situa”. Dito de outra maneira, o Papa procura realçar o papel da Igreja na vida social de Portugal, nas suas diversas dimensões, especialmente em tempo de crise. O chefe da Igreja Católica procura, também, exortar os católicos portugueses a vivenciarem a sua fé no serviço aos outros, em demonstrações substanciais de caridade, o que hoje será mais prosaico chamar solidariedade e serviço. Na visita ad limina que os bispos portugueses fizeram a Roma ficou clara a consideração de que os portugueses, apesar de se considerarem católicos, nem sempre o fazem notar na sua prática social e comunitária – e não falamos da prática litúrgica.
O Estado português, por outro lado, recebe o Papa em pecado. Demonstrando excesso de zelo, os responsáveis políticos portugueses – que no resto do ano não se importam de afrontar os católicos portugueses – procuraram receber o Papa com uma exuberância desnecessária. Não se dirá que é o remorso, ou a consciência pesada, mas em tempos de crise não se justifica que o Estado português queira mostrar o que, neste momento, não é, e o que, neste momento, não tem. Bento XVI é um homem frugal que aprecia os portugueses por serem como são e não como os seus políticos gostariam que fossem. Não foi a Igreja portuguesa que exigiu tolerâncias de ponto, ou restrições ao trânsito na capital do país. Foi o Estado.
Não nos choca que se gaste dinheiro para receber o Papa. Quem tem dinheiro e o pode gastar deve fazê-lo, trata-se de uma forma de o distribuir e isso é positivo. Mas choca-nos que a visita do Papa seja argumento para ter sido dada tolerância de ponto aos funcionários públicos, amanhã, quinta-feira. As escolas estarão fechadas em todo o país, e toda a vida económica portuguesa estará em suspenso por causa da visita do Papa. Não se justifica. E choca-nos que os mesmos que se mostram tão indignados pelo facto de haver crucifixos nas salas de aula nada digam a este respeito. O centro de Lisboa está hoje condicionado por causa de uma missa que poderia ter sido celebrada no Parque das Nações, ou num estádio de futebol. O local escolhido é mais bonito e mais simbólico, mas os constrangimentos criados, na nossa opinião, não o justificam.
Na sua primeira intervenção em Portugal, Bento XVI foi peremptório: “Venho a Portugal como peregrino de Nossa Senhora de Fátima”. Um humilde peregrino. O Estado português quis ser mais papista que o Papa, e Portugal não pode dar-se ao luxo de certos ‘papismos’!

Editorial do Jornal da Mealhada de 12 de Maio de 2010