Hoje, 27 de Março, é Dia Internacional do Teatro.
Fica um poema de Bertold Brecht (1898-1956), uma grande figura do teatro ocidental.

“Aos pósteros”

I
Realmente vivo em tempos sombrios.
A palavra ingénua é tola. Uma fronte lisa
Indica insensibilidade. Aquele que ri

Ainda não recebeu

A terrível notícia.

Uma conversa sobre árvores é quase um crime
Por que inclui um silêncio sobre tantos delitos?
Aquele que vai pela rua tranquilo
Não é mais acessível aos amigos
Que estão em necessidade?

É verdade: ainda ganho o meu sustento
Mas acreditem: é por acaso. Nada
do que faço autoriza que eu me sacie.
Casualmente fui poupado.
(Quando minha sorte acabar
Estou perdido.)
Dizem-me coma! beba! fique feliz por ter o quê!

Mas como posso comer e beber se
Tiro ao faminto o que comer e
Meu copo d’água falta a quem tem sede?
No entanto, como e bebo.

Gostaria também de ser sábio.
O que é sábio está nos velhos livros:
Afastar-me da briga do mundo e passar
Sem medo a curta temporada
Sobreviver sem violência
Pagar o mal com o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los
É tido por sábio.
Nada disso eu posso:Realmente, vivo em tempos sombrios!

II

Cheguei às cidades no tempo da desordem
Quando aí reinava a fome
Cheguei-me aos homens no tempo do tumulto
E indignei-me com eles.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

Comi minha comida entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Tratei do amor sem atenção
E vi a natureza sem paciência.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

No meu tempo os caminhos levavam ao pântano.
Minha linguagem denunciava-me ao carrasco.
Só pude pouca coisa. Mas esperava que sem mim
Os dominadores se sentassem mais seguros.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

As forças eram escassas. O alvo
Ficava a grande distância.Era bem visível, embora
Eu mal pudesse alcança-lo.

Assim passou o tempo
Que me foi dado sobre a terra.

III

Vocês, que emergirão da maré
Onde nós soçobramos
Pensem
Ao falarem das nossas fraquezas
Nos tempos sombrios
De que escaparam.
Pois nós, desesperados, trocando mais de países
Que de sapatos, atravessamos as guerras de classes quando
Só havia injustiça e nenhuma revolta.
No entanto sabemos:
Também o ódio contra a baixeza
Contorce os traços.
Também a cólera contra a injustiça
Deixa a voz rouca. Ah, nós
Que quisemos preparar o chão para a amabilidade
Nós próprios não pudemos ser amáveis
mas vocês, quando tiver chegado a hora
Do homem ajudar o homem
Pensem em nós
Com indulgência.