Excerto do:

ENSAIO

Palestra anual Winston Churchill: Tentar conhecer o próximo primeiro-ministro britânico [David Cameron, do Partido Conservador].

por João Carlos Espada, Publicado no Jornal i, em 24 de Outubro de 2009,

sendo certo que o que me interessa sublinhar é o modelo sueco de gestão escolar, apresentado como um caso interessante por David Cameron, já anunciado nos programas eleitorais do PSD (principalmente em Marcelo Revelo de Sousa), mas nunca aplicado em Portugal! Infelizmente!

«EDUCAÇÃO O ponto mais claro da intervenção de Cameron – e aquele que motivou a única interrupção com aplausos – terá sido a referência à educação. Depois de condenar o declínio dos padrões educativos e a ditadura de teorias politicamente correctas nas escolas, Cameron indignou-se com a quase ausência de referências a Winston Churchill nos novos programas escolares. “O próximo governo conservador trará Churchill e o estudo da história de volta aos programas das escolas” – aqui houve uma chuva de aplausos. E David Cameron aproveitou para reiterar a sua intenção de introduzir mais escolha das escolas pelas famílias, seguindo aliás a experiência da Suécia, que, garantiu, a sua equipa estava a estudar com grande interesse.Esta pode acabar por ser a primeira grande inovação do programa de David Cameron e do seu ministro sombra para a Educação, Michael Gove: introduzir mais escolha e concorrência nas escolas inglesas, à semelhança do que foi feito na Suécia a partir de 1992. Trata-se de uma história de sucesso incontornável. Em 17 anos, as escolas independentes na Suécia passaram de 80 para 1100 – educando 10% do total de alunos do ensino obrigatório e 20% do ensino secundário não obrigatório. A reforma, iniciada por um governo liberal–conservador em 1992, não foi anulada pelos social-democratas quando voltaram ao poder. E, há menos de um mês, os social–democratas anunciaram que tinham abandonado a sua última reserva contra a escolha das escola: passaram também a aceitar as escolas privadas com fins lucrativos.

EXEMPLO SUECO Segundo Anders Hultin, um dos arquitectos do sistema de vouchers suecos, esta questão das escolas com fins lucrativos não deve ser menosprezada. Escrevendo na “Spectator” de 3 de Outubro, cuja capa foi dedicada a David Cameron, Hultin explica que o sector privado com fins lucrativos foi a chave do sucesso dos “vouchers” na Suécia. Quando estes foram lançados, em 1992, já existiam algumas escolas privadas, em regra muitíssimo boas e muito procuradas pelas famílias. Mas eram todas pertencentes a instituições sem fins lucrativos, o que era imposto por lei.A consequência desta restrição era muito curiosa, explica Hultin. As poucas e excelentes escolas privadas – como a escola Carlsson em Estocolmo – não tinham incentivos nem meios para se expandirem. Criavam então enormíssimas listas de espera em que os pais inscreviam os filhos à nascença. Esse era o seu distintivo de qualidade. Mas só um número muito limitado de crianças tinha realmente acesso à escola Carlsson.A partir de 1992, duas coisas aconteceram. Primeiro, foram introduzidos os “vouchers”. Todas as escolas, estatais ou privadas, passaram a receber por aluno o mesmo montante pago pelo Estado – aliás, um montante ligeiramente inferior — ao que até essa data um aluno custava realmente numa escola estatal. Em segundo lugar, a criação de novas escolas foi tremendamente facilitada, requerendo apenas garantias de qualidade. As instituições com fins lucrativos foram autorizadas a entrar no novo mercado de educação.

MÓBIL DO LUCRO Anders Hultin explica na “Spectator” que os resultados foram surpreendentes para todos, a começar pelos próprios promotores da reforma. “Nós próprios tínhamos grandes dúvidas sobre o alcance prático da reforma. Mas estava no programa eleitoral e tínhamos de o honrar.” As dúvidas na Suécia eram as mesmas que existem hoje em todos os países europeus. “Quem vai querer lançar uma nova escola, com o investimento e a dedicação que isso implica? As famílias não querem nem sabem escolher a escola, querem é que a escola do Estado seja boa.” Olhando agora para trás, Anders Hultin conclui que a medida decisiva que permitiu a literal explosão de novas escolas foi – além do “voucher” – a abertura ao sector privado com fins lucrativos. Hoje até os socialistas suecos já concordam com a medida. Hulton termina com uma mensagem para David Cameron: “Seria peculiar pensar que a esquerda sueca é mais aberta relativamente a escolas com fins lucrativos que o partido conservador britânico.”

GANHAR O CENTRO A ironia de Hultin é divertida, mas não deve obscurecer o real problema político enfrentado por David Cameron. O partido conservador britânico foi “o partido natural do governo” em Inglaterra sempre que o seu opositor – o partido liberal, primeiro, ou o trabalhista, depois – se afastou do centro. Embora o partido conservador fosse muitas vezes visto pelo eleitorado como defensor das classes mais abastadas, o medo do liberalismo radical ou do socialismo radical empurrou os eleitores do centro para os Tories. Tony Blair e o seu New Labour abandonaram as propostas socialistas radicais e com isso anularam o medo do socialismo. Dessa forma, reconquistaram o centro e lançaram os conservadores na longa travessia do deserto.David Cameron está agora a tentar reconquistar o centro e por isso é tão cauteloso em relação ao que vai fazer. Essa cautela, em contrapartida, pode custar-lhe a desmobilização do seu eleitorado tradicional. Talvez a liberdade de escolha da escola seja a solução para esta quadratura do círculo. Pelo menos funcionou na Suécia, o mais social-democrata país europeu. E é bem possível que venha a dominar o futuro próximo do debate político europeu.»