O XVIII Governo Constitucional de Portugal e a XI Câmara Municipal da Mealhada eleita democraticamente tomaram posse, ambos, na manhã de segunda-feira, 26 de Outubro de 2009. As intervenções políticas proferidas em ambos os actos foram muito semelhantes. Em ambas as ocasiões se exortou à colaboração entre quem governa e quem fará oposição, se fez referência à separação de poderes e à necessidade de cooperação entre os diferentes órgãos autárquicos e de soberania, se salientou a necessidade de diálogo relativamente à tomada de medidas relevantes para o bem comum das populações, se disse que as medidas sociais, a promoção do emprego e a educação eram as grandes prioridades para os próximos quatro anos.
Em todas as intervenções se registou um tom grave e preocupante, como se o país atravessasse – e provavelmente atravessa – uma espécie de estado de sítio, onde houvesse necessidade de vigorar uma espécie de ‘lei marcial’ na qual estivesse preceituado que “tempos especiais exigem medidas especiais”. E uma das medidas especiais, a principal, parece ser o diálogo e a procura de consensos. E parece-nos bem.
O eleitorado aprecia um bom confronto dialéctico. Gosta de assistir a duelos políticos e de ter noção de quem perde e de quem ganha. Há, em todas as áreas sociais e na política, também, algum “voyeurismo” por parte da população com uma análise quase lúdica, como se tudo fosse um jogo, sobre quem são os vencedores e os vencidos. É esse incentivo à luta, ao combate, que recebem muitos agentes políticos da parte dos cidadãos, que os leva, depois, a entender a acção politica sempre na óptica do confronto. O eleitorado não gosta de oposições moles – é bem verdade – mas também está cansado de atitudes inócuas e de Quixotes em combate com os moinhos de vento. Está por provar – já aqui o dissemos – que é melhor oposição a que mais alto se faz ouvir, a que se apresenta crítica, persecutória ou revanchista, a que se arroga de uma legitimidade de provedoria dos descontentes e dos queixosos.
A determinação de um líder é muitas vezes confundida com arrogância ou soberba. É certo. Mas consideramos que está por provar, também, se advém benefício do facto de um líder se apresentar como distante, austero, possuidor de uma aura de intocabilidade.
Nas suas intervenções, Sócrates e Cabral e, também, Cavaco Silva e António Miguel Ferreira – que, segundo parece, assumirá o papel de líder da oposição na Mealhada – mostraram perceber que o próximo mandato exige uma nova postura política. Uma nova atitude que todos sentiram que era necessário salientar no seu discurso, logo desde o primeiro momento do mandato.
Muitas vezes se considera que a Democracia está no confronto dialéctico, está na possibilidade de debate, de discussão, no exercício das diferentes formas de expressão pública do pensamento. Parece-nos, no entanto, que é muito mais democrática uma governação dialogante, uma acção executiva determinada mas intelectualmente séria e capaz de mudar de posição para adoptar as boas sugestões. Parece-nos que é muito mais democrática uma oposição que é capaz de dar sugestões que outros possam aplicar, que é capaz de elogiar o que está bem e indicar medidas para corrigir o que não está bem, sem ter medo de lhe ‘roubarem’ as ideias ou os projectos. Porque, no final de cada ciclo político, o eleitorado poderá avaliar a acção de uns e de outros e a Democracia estará, nessa altura, no facto de o eleitorado poder encontrar nuns e nos outros, igualmente, as características, as capacidades, as competências que entende mais relevantes para definir a sua orientação de voto para decidir em que força política irá votar. Só quando isso acontecer é que vivemos, de facto, numa sociedade política democrática.
No leme do navio escola Sagres e nas Portas do Cerco, na fronteira entre a região autónoma de Macau e a República Popular da China, está gravada uma frase de que muitas vezes nos lembramos, particularmente quando pensamos nestes assuntos: “A Pátria honrai, que a Pátria vos contempla!”. Sócrates também falou da Pátria e de Camões no seu discurso, e disse acreditar, como outros acreditarão, nós, inclusivamente, que a Pátria sempre nos retribui, sempre nos ‘paga’, quando a defendemos com honra, com diligência, com trabalho, e, acima de tudo, com espírito de missão e de serviço. Seja esse serviço no Governo, seja na oposição. E mesmo que a Pátria, pelo menos de imediato, não recompense os que por ela trabalham, lutam e, quantas vezes, se sacrificam, a consciência do dever cumprido bastará para aqueles que, verdadeiramente, a amam. A História, um dia, lhes fará justiça.