Condomínio da Terra
Porque se a casa é só uma, todos temos de a partilhar
Será levado a efeito no próximo fim-de-semana, 4 e 5 de Julho, em Gaia, um fórum internacional que visa, através de cinco plenários com especialistas de várias nacionalidades e de debates económicos, jurídicos, científicos e filosóficos. Trata-se, no fim de contas, de debater a necessidade da tomada de posições colectivas dos cidadãos e dos Governos face aos problemas que se perspectivam por causa da deterioração das condições de vida do planeta Terra. O fórum do Condomínio da Terra — uma iniciativa da associação ambientalista portuguesa Quercus que, entretanto, ganhou dimensão universal — terá como base um documento intitulado Declaração de Gaia e culminará com a elaboração de uma estratégia a que será dado o nome de Compromisso de Gaia. Ajustar a vida da espécie humana, e de todos os ecossistemas, à sustentabilidade do planeta, num momento em que este apresenta sintomas claros de deterioração rápida e com consequências imprevisíveis, é uma responsabilidade das gerações que actualmente habitam na Terra. “Este será, talvez, o maior desafio que se colocou até hoje à humanidade”, garantem os promotores da iniciativa Condomínio da Terra. “Temos de adaptar o nosso modo de vida e organização ao funcionamento natural da vida na Terra”, propõem os promotores da referida iniciativa. A escolha da cidade de Gaia parece-nos feliz. Gaia é, na mitologia grega, a deusa da Terra. Ao mesmo tempo que nos parece, também, feliz o emprego da metáfora que dá o nome à iniciativa. Um condomínio é, num sistema de propriedade horizontal, a melhor forma encontrada para gerir os espaços comuns e o interesse colectivo. Se todos somos vizinhos neste planeta, se todos dependemos de todos e uma vez que os problemas globais não se resolvem de forma isolada, só nos resta uma organização em condomínio para gestão dos espaços comuns.A atmosfera, a hidrosfera e a biodiversidade são partes comuns do planeta. Não só porque ultrapassam todas as fronteiras e os ‘serviços’ que prestam não podem ser divididos, mas também porque todos dependemos delas para viver e todos as podemos afectar de forma positiva ou negativa.As propostas da Declaração de Gaia apresentam o conceito de Soberania Complexa — “coexistência de soberanias autónomas num espaço colectivo, ou seja, um poder político, supremo e independente, relativo à fracção territorial de cada Estado, e partilhado, no que concerne às partes insusceptíveis de divisão jurídica, (atmosfera, hidrosfera e biodiversidade) das quais todos os povos são funcionalmente dependentes”.Outro dos conceitos apresentados à discussão no fórum internacional do próximo fim-de-semana é Economia de Simbiose — uma articulação daquilo a que se poderia designar por “economia da manutenção dos sistemas vitais” com a tradicional economia de produção. A ideia seria a de aproveitar a valorização económica que se faz da bens ecológicos vitais aplicada a todas as partes comuns do planeta (a Economia de Simbiose), através da referida Soberania Complexa. Ou seja, tornando possível a gestão global (politica e económica) dos bens indivisíveis do planeta.Estes conceitos sustentam-se numa distinção clara entre soberania — autoridade para dispor — e propriedade sobre os ecossistemas da Terra. Para melhor compreensão poderíamos dizer que o Brasil tem soberania sobre a Amazónia, mas não é proprietário desta. A destruição da Amazónia, mesmo que parcial, traz efeitos imediatos e sérios a todo o planeta. A Amazónia é uma “parte comum” do planeta, logo deve ser gerida de forma comum. Demos como exemplo a Amazónia, mas poderíamos falar da Gronelândia ou dos glaciares que estão a derreter-se.“Se o valor destes bens vitais é de alguma forma incalculável, precisamente porque são vitais, resta-nos a certeza de que os ecossistemas prestam um serviço cujo valor económico deveria ser muito superior aos lucros gerados pela exploração tradicional dos seus recursos”, garantem os promotores do Condomínio da Terra, que concluem: “As árvores deveriam valer mais vivas do que o valor da sua madeira!”Os documentos a que se fez referência encontram-se disponíveis em http://www.earth-condominium.com/pt/
Tivemos conhecimento, pelo vereador da Câmara Municipal da Mealhada Gonçalo Breda Marques, de que o executivo decidiu, na passada quinta-feira, subscrever os princípios da Carta de Aalborg, que inclui os princípios fundamentais da promoção de uma economia e gestão política sustentáveis, que tem execução prática ao nível local no modelo da Agenda 21 Local. Há cerca de dois anos, a vice-presidente da Câmara, Filomena Pinheiro, garantiu estarem a ser desenvolvidos os mecanismos para o desenvolvimento de uma Agenda 21 Local comum aos municípios do Baixo Vouga — rede entretanto substituída — e asseverou que a implementação das disciplinas de Educação Ambiental e de Cidadania, no âmbito das Actividades de Enriquecimento Curricular para o primeiro ciclo do Ensino Básico, estava a ser já pensada segundo os princípios de Aalborg e como iniciativa a integrar um esquema de desenvolvimento baseado na metodologia da Agenda 21 Local. Manda-nos a coerência elogiar a iniciativa e a decisão municipal de, com ou sem rede de municípios, subscrever a Carta de Aalborg, e, posteriormente, implementar a Agenda 21 Local. Esperamos, também, que o executivo e, nomeadamente, Filomena Pinheiro, não esqueça as boas intenções enunciadas há dois anos e as possa concretizar agora. Procurámos fazer com que o desenvolvimento sustentável fizesse parte dos temas a debater na campanha eleitoral autárquica de 2005. Não o conseguimos, mas não desistiremos em 2009.
Editorial do Jornal da Mealhada de 1 de Julho e do FRONTAL de 2 de Julho