Reflexões para um eventual discurso
Já houve tempos em que precisei de pensar em discursos – mais em escrevê-los do que a dizê-los. Discursar sobre o 25 de Abril não é fácil. E não é fácil porque todos dizem o mesmo há trinta e cinco anos. Mesmo arriscando, é hoje fácil perceber que já na quarta feira era possível antecipar que a tónica discursiva deste dia seria a de apelo ao voto enquanto garante da sustentabilidade do regime. Os discursos do Presidente da República e do Presidente da Assembleia da República foram exactamente nesse sentido.
Notei, também, e na Mealhada isso foi claro e até sublinhado pelo presidente da Câmara, o tom pesado e desiludido com que este aniversário está a ser vivido. Parece que nada correu bem, não há quem elogie, não há reflexão que conclua que o Golpe de Estado foi determinantemente positivo para o país e para todos os portugueses. É preferível sublinhar as ausências, é preferível dizer mal. É horroroso. Já ouvi hoje, mais do que uma vez, “Não foi para isto que eu fiz a Revolução”. Pois eu lamento.
A maior conquista do 25 de Abril, no meu entender, é a da responsabilização do cidadão face ao seu futuro. Deixou de haver um Estado que determinava o que cada pessoa poderia ou não fazer, que conduzia a economia, que governava acima dos portugueses, para passar a haver uma representação directa e participativa de cada cidadão nos destinos da Nação. Ou seja, deixou de haver um Eles, para passar a haver só um Nós.
Bem sabemos que não é bem assim que as coisas se passam. E se os portugueses continuam a ter na sua herança genética um anti-parlamentarismo radical, também na sua genética colectiva está a a demissão completa da sua responsabilização na vida colectiva. São sempre os outros. Eu não preciso de votar porque eles se governam, porque eles roubam, porque eles são uns filhos da puta. Nunca vale a pena fazer nada.
Não vale a pena saber porque razão é que se os capitães fizeram o golpe. Interessa fazer lembrar que não se resignaram.
E se eles não se resignaram também não somos nós que nos vamos resignar. Nós que somos mais preparados, que somos mais cultos, mais globalizados, com mais consciência cívica e internacional.
Ainda não atingimos o nosso limite, ainda não chegámos ao fundo do posso. Mas se algum lá chegarmos teremos a oportunidade de fazer o nosso 25 de Abril e o nosso 25 de Novembro. Para já é preciso construir a democracia, a participação livre e democrática das pessoas. Eu nem sou republicano, mas é preciso que vingue a ideia de que não há Eles e o Eu, há o Nós, e que é possivel a todos o exercício do poder e da auto-determinação pessoal.
Nasci 5 anos depois do 25 de Abril, e estou grato por isso. É claro que valeu a pena.