Às vezes sinto que algumas pessoas não compreendem por que razão sou católico. Ou como sou capaz de ser católico e compactuar com posições da Igreja que aos olhos dessas pessoas eu não poderia aceitar. E muitas não aceito. A razão de ser da minha posição, para além de uma questão de Fé, claro está, reside, também, da própria compreensão que tenho do que é a Igreja Católica.
O texto do Bispo de Viseu, Dom Ílidio Pinto Leandro, “A Igreja e a Sexualidade”, «A propósito dos preservativos…» como ele próprio diz, recentemente divulgado, é bom exemplo de que a posição que eu tenho, o meu entendimento do que é a Igreja, não é exclusivo. Sinto-me reconfortado com isso. E não estou a falar da questão do uso do preservativo, isso até é, no meu entender, perfeitamente lateral. Falo da explicação que Dom Ilídio Leandro faz sobre o que disse e o que se deve entender das palavras de Bento XVI quando ele se pronuncia. (Note-se que digo “da explicação que Dom Ilídio Leandro faz”, e não da explicação que dá…)
A Igreja Católica é feita de pessoas, a grande maioria delas leigos e uma outra parte relevante que é a hierarquia, o clero. A missão da hierarquia é diferente da missão dos leigos e dos fieis. O que diz o clero, as determinações dos padres, dos bispos e do Papa são relevantes, mas devem ser entendidas. E quando se diz entendidas, diz-se reflectidas, diz-se analisadas, diz-se perspectivadas.
O texto do bispo de Viseu a este propósito é de uma clareza admirável. Acho importante a sua divulgação porque está dito de forma inteligente e para pessoas inteligentes compreenderem. Os católicos são ovelhas de Cristo, o Bom Pastor, não são uma carneirada de acéfalos.
Aqui fica o texto do Bispo de Viseu – que ultimamente tão extraordinários prelados tem tido – com sublinhados meus.

A viagem de Bento XVI a África

A propósito dos preservativos…

Causou algum escândalo a afirmação do Papa, várias vezes repetida como tese da Igreja, de que o preservativo não é a solução para o combate ao vírus da Sida. Que queriam que ele dissesse? Afirmando que sim, banalizava o valor, o sentido e a vivência da sexualidade, enquanto dimensão do ser humano, centro, símbolo e expressão das relações profundas da pessoa, a viver no amor, na fidelidade (confiança recíproca), na estabilidade e na responsabilidade.
O Papa, quando fala da Sida ou de outros aspectos da vida humana, não pode fazer doutrina para situações individuais e casos concretos. Neste caso, para relações entre uma pessoa infectada e outra que pode ser afectada com a doença. Nestes casos, quando a pessoa infectada não prescinde das relações e induz o(a) parceiro(a) (conhecedor ou não da doença) à relação, há obrigação moral de se prevenir e de não provocar a doença na outra pessoa. Aqui, o preservativo não somente é aconselhável como poderá ser eticamente obrigatório.
E não tenhamos medo ou reserva mental ou hipocrisia de admitir esta doutrina!
Não usamos tantos “auxiliares” artificiais para promover a vida e defender a saúde? As intervenções cirúrgicas, os fármacos, as próteses e tantas outras técnicas ao serviço da pessoa, em situação de doença, não são formas de ‘preservar’, defender e promover a saúde?… Então, porquê esta afirmação do Papa a veicular uma doutrina e, precisamente, na viagem para África – o continente mais atingido por esta doença? Como doutrina, como ideal, como princípio de dignidade, defesa e promoção da vida humana, o Papa não pode dizer outra coisa. Como, também, deverá ser a deontologia do médico, praticando a medicina para promover e defender a vida em todas as circunstâncias possíveis, ainda que, para defender valores em conflito, possa pôr-se perante situações inevitáveis de morte…
Ainda bem que o Papa não cede a tentações de simpatia, facilitismo ou conveniência!… Esta é parte da sua cruz pascal (também da Igreja, dos Bispos, dos Sacerdotes, dos Cristãos) – ter valores e causas a defender para a realização integral da pessoa humana e gastar a vida por eles, ao serviço da dignidade e sentido da pessoa e da sua plenitude. Será falta de hábito e de cultura da exigência e da honestidade, numa sociedade tão relativa, tão mínima e tão pouca ambiciosa e coerente na defesa das pessoas e dos seus valores? Será tão fácil o escândalo farisaico de quem não sabe interpretar as diferenças entre valores e princípios gerais, por um lado e situações concretas e pessoais, por outro? Sim… Está aqui a grande diferença: a chamada “lei da gradualidade” explica que, existindo a lei geral a afirmar, a exigir e a promover valores, eles não esmagam a pessoa concreta, em situações muito individuais… Eles dão a mão com paciência, tolerância e compreensão para que a pessoa “situada” compreenda, aceite e queira caminhar, ao ritmo de um ideal libertador, defendido por uma lei orientadora. Acredita-se sempre no ideal que a pessoa é chamada a atingir, porque a dignifica e valoriza, ainda que demore algum tempo ou não chegue nunca a atingi-lo.
Este é o papel da formação personalizada e libertadora, dada individualmente ou em pequeno grupo, sempre como desafio à conversão e à vida digna e feliz. O legislador, como referência do ideal a amar e a seguir, não pode deixar de estar acima e ser exigente, apelando, com a sabedoria de mestre e, sobretudo, com o amor e a proximidade de pai, a um grande ideal, percorrendo um caminho juntos, indo até onde for possível. Sobretudo, nunca abandonando a pessoa.
A terminar: como são parciais e intencionais as apreciações da doutrina da Igreja veiculada pelo Papa para o Continente Africano e não só!…
O preservativo teria sido o tema mais importante – quase único? Mesmo a respeito do tema da Sida, foi a única coisa que o Papa disse?
E outros temas, como a pobreza, a fome, a justiça social (…) e os apelos a que os países ricos cumpram os seus compromissos a favor do desenvolvimento?…
E a denúncia de que África não pode ser vista como o “reino do dinheiro”, explorando a sua riqueza e as suas matérias-primas, deixando este Continente entregue à sua insuficiência económica, industrial e financeiramente?…
E os desafios, feitos aos jovens, convidando-os à coragem da aventura e a que não tenham medo das decisões definitivas, sabendo que a vida está dentro deles?…
E os desafios entreabertos e a aprofundar, quando denomina a África como o “Continente da Esperança”?… E a coragem que o Papa manifesta, ao falar e abordar tantos temas incómodos?…
E como entender a coragem e a capacidade de um homem, com quase 82 anos, que enfrenta situações desta natureza para ir falar, no lugar próprio, dos temas e das causas que defende e nos quais acredita, ainda que saiba que são incómodos para tantos?…
Ao serviço de quem estão tantos meios de comunicação social, tantos opinionmakers e tantos poderes instituídos, que mais parecem donos ou correias de transmissão de interesses económicos e políticos que dos direitos, liberdades e dignidade da pessoa humana, a começar pelas mais pobres e mais indefesas?…
Alguns perderam mesmo uma grande oportunidade de trazer para a reflexão dos “grandes” os grandes problemas dos “pequenos” que – infelizmente – continuam a não ter voz nem vez no actual (des)concerto das nações.

Ilídio, bispo de Viseu

Mensagem episcopal de Dom Ilídio Pinto Leandro “A Igreja e a Sexualidade”