A glória do mundo é passageira

Duas notas, de conteúdo político e histórico, que em comum terão o facto de poderem servir como ilustração da ideia de como são passageiras as glórias e as derrotas mundanas, ou como diz a expressão latina utilizada na coroação papal: “Sic transit gloria mundi”. São, de facto, passageiras as vitórias e as derrotas dos Homens, quem cai sempre se ergue e quem se ergueu rapidamente poderá voltar a cair. O que não quer dizer que quedas e ascensões não sejam, quase sempre, grandes oportunidades de crescimento.

25 de Março de 1949 — Álvaro Cunhal foi preso no Luso

Assinalam-se hoje, precisamente, sessenta anos sobre a manhã em que o dirigente do Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal, a viver na clandestinidade numa casa na vila termal do Luso, é preso pela PIDE, a polícia política do Estado Novo, juntamente com outro dirigente comunista, Militão Ribeiro, e a companheira da residência clandestina Sofia Ferreira. José Pacheco Pereira, biógrafo de Cunhal, refere-se ao acontecimento da seguinte maneira: “Naquela casa do Luso, no meio do nervosismo geral, da alegria alarve dos agentes da PIDE e do estado de choque dos presos, acabava uma era da história da luta da oposição portuguesa e do PCP”.
A data poderá considerar-se uma derrota para a oposição ao Estado Novo. Mas não deixa de ser um momento decisivo para a história de Portugal que só a Democracia permite analisar e investigar. Cunhal é, em 25 de Março de 1949, um prisioneiro que, onze anos depois, oito dos quais em isolamento total, foge da cadeia e surge como um herói, um libertador e, mais tarde, um ‘senador’ da III República.
Publicamos, na última página desta edição, um texto de Carlos Ferraz a propósito da prisão de Cunhal. Associando-nos, assim, à evocação da data e do que ela significa. Mas procurámos ir mais além. O Jornal da Mealhada fez uma entrevista com a única sobrevivente deste acontecimento, Sofia Ferreira, em 25 de Março de 2007, trabalho que nunca chegámos a publicar. Aguardávamos um momento em que esse texto pudesse ser publicado no âmbito de uma pesquisa mais vasta de tudo o que terá acontecido nesses dias, nos dias anteriores e nos subsequentes, lembrando, também, o Luso da década de 1940 e a realidade do Portugal dessa altura.
Por outro lado, numa estratégia de valorização documental do património de vinte e cinco anos de publicação, praticamente ininterrupta, do Jornal da Mealhada, decidiu a empresa editora do jornal promover a publicação de um novo produto, uma revista de divulgação cultural e histórica, cujo nome é VIA, que apresentará, num suporte diferente, conteúdos, originais ou já publicados no jornal, de interesse relevante.
O primeiro número da VIA, que irá ser posto à venda a partir de Abril de 2009, será, exactamente sobre o 25 de Março de 1949. Dele farão parte a entrevista a Sofia Ferreira, o relato dos acontecimentos anteriores à noite da prisão e da detenção de Cunhal, com alguns dados novos, bem documentado e ilustrado de um modo que nos parece pedagógico e atraente. A primeira edição da VIA terá, ainda, dados biográficos dos principais protagonistas do acontecimento. Pensamos que poderá ser um contributo importante para o estudo histórico deste acontecimento, da história do PCP e do Portugal do Estado Novo. Contribuíram para a pesquisa algumas dezenas de pessoas, desde investigadores e coleccionadores até testemunhas contemporâneas dessa altura, contributos importantes para uma aproximação à verdade do que se passou naquela madrugada.
Acabou a Guerra das Rosas

As duas facções locais, da Mealhada, do Partido Socialista — uma afecta a Rui Marqueiro, a outra defensora de Carlos Cabral — chegaram a acordo em relação à decisão sobre quem seria o candidato a cabeça-de-lista do PS para a Câmara Municipal da Mealhada. Depois de algumas semanas, ou até meses, de crispação, com trocas de acusações graves — a que chamámos a Guerra das Rosas —, os principais protagonistas, Marqueiro e Cabral, chegaram a acordo e, pelo menos publicamente, terão enterrado o machado da guerra.
Carlos Cabral e Rui Marqueiro são duas personalidades da vida politica moderna — e, por que não, da história local democrática — de certa maneira condenados a viver juntos. Quando tudo faria pensar que Cabral se poderia ter emancipado a decisão final da escolha deste ano volta a ter de resultar de um entendimento entre ambos. Foi a união de Cabral e Marqueiro que fez o PS vencer as eleições frente a César Carvalheira em 1989. Foi a união que consolidou executivos maioritários em 1993 e 1997. Foi a união de Marqueiro e Cabral que fez superar o cisma Odete Isabel, em 2001. Os sinais de distanciamento entre os dois começaram em 2005 e disso resultaram algumas dores de cabeça para o PS nas últimas autárquicas. Estes dois homens não serão, necessariamente, amigos, mas estão condenados a estar juntos… Marqueiro acha que a sua emancipação surgirá em 2013. A ver vamos.
No final desta Guerra das Rosas, Cabral, que, durante o processo, parecia ser a vítima e estar diminuído, mostrou ser excelente estratega. A sua capacidade de resistência — a sua mais evidente característica — permitiu-lhe gerir, pacientemente, um conjunto vasto de silêncios que beneficiaram a sua estratégia. E foi o vencedor da contenda. Marqueiro perdeu, mas mostrou ser um líder forte, capaz de conduzir um barco que, de repente, inesperadamente, faz uma mudança de rota de 180 graus e consegue manter a tripulação — que não aprecia Cabral — unida, calada e serena, resignada com a opinião do líder.
Chegaram a acordo, com cedências de parte a parte. Perguntar-se-á por que não havia sido, então, imperioso o acordo em 2001? A resposta radicará na personalidade de Odete Isabel e no facto de o adversário do PSD ser, agora, César Carvalheira. Carvalheira é uma força da natureza, é portador de um discurso simples e popular, capaz de aglutinar tendências diametralmente opostas. Cabral e Marqueiro sabem disso e sabem que não vale a pena arriscar um cisma nesta altura do campeonato, especialmente quando a direcção nacional do partido quer serenidade e união no combate, em torno do seu secretário-geral.
Editorial do Jornal da Mealhada de 25 de Março de 2009