“Quid est veritas?”*
*O que é a verdade? — perguntou Pilatos a Cristo
Fazer vingar a ideia da necessidade de analisar criticamente o Carnaval da Mealhada na modernidade não é tarefa fácil. É quase hercúlea a tarefa de convencer os principais implicados na organização dos desfiles de que a avaliação é uma medida importante que trará a melhoria do espectáculo, que levará a uma melhor aceitação pública do trabalho — artístico, cultural e até social — realizado pelas escolas de samba, do que resultará o beneficio de todos. Desde 6 de Fevereiro, dia em que fomos convidados para avaliar o desfile do Carnaval de 2009, até 28 de Fevereiro, dia em que entregámos os prémios e finalizámos o processo, muitas foram as complicações, e muitos foram os obstáculos e mal-entendidos que se nos apresentaram.
Acabámos por nos deparar com um divórcio atroz entre a direcção da Associação do Carnaval da Bairrada e as escolas de samba, um distanciamento inexplicável entre os dirigentes das várias escolas e uma estranhíssima falta de sintonia entre as pessoas que compõem a direcção da ACB em relação às opções tomadas pela liderança. Acusados de muitas coisas ao longo destes 22 dias de tensão, julgamos, agora, ser tempo de explicar a nossa versão dos factos. Uma versão desapaixonada, poupada em adjectivos, que resultará muito mais uma descarga de consciência do que uma qualquer moralização. Porque percebemos que, mais do que no futebol, o que, no Carnaval, é mentira hoje pode ser verdade amanhã, convém-nos, agora, dar a nossa versão da verdade.
Fomos convidados para organizar a avaliação das escolas de samba na tarde de 6 de Fevereiro. Dois gerentes da JM — Jornal da Mealhada, Lda dirigiram-se à ACB, onde eram esperados pelo presidente da direcção e por um director. Confrontados com o convite, e depois de colocar algumas exigências de natureza logística e outras que garantiriam a independência da avaliação, resolvemos aceitar. Este convite era uma demonstração do reconhecimento formal e irrefutável de que o trabalho desenvolvido pelo Jornal da Mealhada em 2005, em 2006 e em 2007, com a avaliação e concursos, era importante e digno de crédito. Ficou decidido entre as duas partes que ao Jornal da Mealhada caberia conduzir todo o processo e à ACB caberia fornecer as condições necessárias para o seu desenvolvimento, informar as escolas e promover a divulgação dos resultados na tenda gigante no último dia dos festejos.
Nesse mesmo dia 6 de Fevereiro, e poucas horas depois da aceitação do convite, fomos informados de que havia pelo menos uma escola de samba que não estaria de acordo com a realização de uma avaliação. O presidente da direcção da Sociedade Mangueirense disse-nos que haveria uma decisão, de Novembro de 2008, que, por unanimidade da direcção da ACB e dos representantes de todas as escolas, decretaria que haveria uma avaliação interna — não pública, nem publicada — e nada mais do que isso. Recusando-se expressamente a ideia de qualquer concurso ou avaliação promovida por um jornal.
Deslocámo-nos à sede da referida escola para clarificar essa posição e solicitámos que essa informação fosse escrita a fim de a podermos transmitir, sem qualquer deturpação, à ACB. Dissemos que, uma vez que tinha sido a ACB a convidar-nos, teria de ser a ACB a solucionar o problema que se deparava. Perante o anúncio de que outras escolas teriam a mesma opinião, fizemos idêntica recomendação. Por mais do que uma vez afirmámos que considerávamos a ACB soberana na decisão de realizar a avaliação. E que essa mesma avaliação havia sido anunciada publicamente pelo presidente da direcção da ACB ao lado do presidente da Câmara da Mealhada, em conferência de imprensa.
Na quinta-feira, 12 de Fevereiro, foi-nos solicitado que assistíssemos a uma reunião entre os presidentes das direcções das cinco escolas de samba que participavam no Carnaval de 2009 e a direcção da ACB. Assim fizemos. Ao chegar à sede da ACB reparámos que não se encontrava o presidente da direcção da ACB nem o dirigente que nos tinha feito o convite em 6 de Fevereiro. Assistimos à contestação e manifestação de indignação dos representantes das escolas e, assim que tivemos oportunidade, explanámos o rol dos acontecimentos havidos até à data. Ouvimos, ainda, da parte de um director da ACB, a prestação de uma informação falsa aos dirigentes das escolas. Corrigimos essa informação e anunciámos que só com o presidente da ACB poderíamos clarificar a situação e que só a ele reconheceríamos legitimidade para tomar uma decisão em relação à continuação, ou não, da avaliação. Depreendemos que havia, entre os dirigentes da ACB, pessoas que estavam manifestamente contra a realização de uma avaliação pelo jornal.
Nos dias seguintes, entre 14 e 16 de Fevereiro, recebemos de quatro escolas — GS Sócios da Mangueira, GRES Amigos da Tijuca, ES Juventude de Paquetá e GRES Samba no Pé —, por escrito, a comunicação formal que havíamos sugerido em 6 de Fevereiro. Em duas dessas quatro comunicações era referido, ainda, que um vice-presidente da ACB havia proibido expressamente as escolas de colaborarem com o Jornal da Mealhada com a entrega de informação solicitada sobre o desfile e prestação artística no corso.
Na noite de 16 de Fevereiro, os dois gerentes da JM — Jornal da Mealhada, Lda deslocaram-se à sede da ACB e, perante cinco directores, entre os quais o referido vice-presidente e o presidente da direcção, expuseram a recusa das escolas e o mal-estar provocado pelo gesto do vice-presidente da direcção da ACB. Na ocasião, o presidente da direcção relembrou a necessidade da avaliação, e acrescentou que não tinha condições para fazer uma avaliação de forma diferente da solicitada ao Jornal da Mealhada. Os directores da ACB manifestaram as suas opiniões, algumas diferentes da do presidente, sem, no entanto, apresentarem alternativas, e entendemos que devíamos sair da sala para que a direcção da ACB tomasse uma decisão sobre a manutenção ou não do convite ao Jornal da Mealhada. Minutos depois fomos informados de que se mantinha o convite nos moldes iniciais. Ao Jornal da Mealhada foi solicitado, no entanto, que prescindisse do anúncio dos resultados na tenda gigante e que assegurasse a divulgação da ideia de que a ACB era completamente alheia ao resultado do concurso. Os gerentes do Jornal da Mealhada exigiram que o vice-presidente da ACB se retratasse junto das escolas, e que o teor da deliberação fosse passada a escrito e transmitida aos dirigentes das escolas. Assim aconteceu nesse mesmo dia.
A comissão técnica da avaliação dilatou o prazo de entrega do material informativo solicitado às escolas. No entanto, apenas uma das quatro escolas, o GRES Batuque, entregou essa informação.
A avaliação decorreu de forma tranquila, havendo apenas a assinalar um problema com uma jurada. Lamentámos a ausência do representante da ACB na comissão técnica, conforme havia ficado decidido em 6 de Fevereiro, e que foi condição para o aceitar do convite. No dia da divulgação dos resultados representantes de quatro escolas deslocaram-se à Esplanada Jardim para ouvir o veredicto — prova da aceitação da avaliação — e, no dia da entrega de prémio, componentes de todas as escolas aplaudiram os vencedores que receberam prémios monetários — demonstração de desportivismo.
Ao longo deste processo quase todos os representantes das escolas que se recusaram a colaborar com a organização da avaliação fizeram saber que nada tinham a opor à avaliação, ou ao facto de ser o Jornal da Mealhada o organizador. Ficou sempre para nós claro que estariam revoltados com o facto de não ter sido dado cumprimento a uma alegada deliberação de Novembro de 2008 de promover uma avaliação exclusivamente interna, não pública nem publicada. Não percebemos as razões de tal decisão. Nem quais seriam as questões de fundo subjacentes para que as escolas e os dirigentes da ACB recusassem liminarmente, e à priori, uma avaliação pública, considerando até que estariam, todas, em igualdade de circunstância
Como em 2006 e 2007, colocámos em três dezenas de pessoas a missão, sempre difícil, de apreciar o trabalho apaixonado de muitas outras. Entendemos, ainda, que o veredicto e a análise desses avaliadores deveria ser ponderado pelos dirigentes das escolas. Trata-se da opinião fundamentada de uma amostra de pessoas, e devidamente informada sobre o trabalho desenvolvido pelas escolas. É a fundamentação dessas opiniões, essas justificações que os jurados estavam obrigados a produzir, que, depois de ponderada a sua justeza, devem servir para as escolas melhorarem o seu trabalho. Esse sempre foi e será o nosso principal objectivo.
Editorial do Jornal da Mealhada de 4 de Março de 2009
Anda com uma necessidade de se justificar q eu vou-lhe dizer sr. Nuno Canilho !! Tá bem é tudo muito lindo!! Vê lá se para o ano não metes tanta água!!
É pá! Já há um ‘para o ano vê lá’! Sim senhor. Afinal sempre tinhamos razão!
“Enquanto houver estrada para andar, nós vamos continuar!”