Esperança e Mudança

A propósito da eleição de Barack Obama para 44.º presidente dos Estados Unidos da América

Barack Hussein Obama foi eleito, na passada semana, a 4 de Novembro de 2008, presidente dos Estados Unidos da América. Obama, que foi o candidato do Partido Democrata, é o primeiro afro-americano a ocupar a sala oval da Casa Branca. A sua eleição é apontada por muitos analistas como um marco histórico de grande relevância. Pelo facto de ter ascendência negra, pela sua personalidade, pelo momento político-económico em que assume o cargo, pela forma como orientou a campanha eleitoral e pelo que consta do seu programa político.
Obama é filho de um intelectual queniano e de uma americana — uma WASP (White Anglo Saxonic Protestant) — o que faz dele um afro-americano. O facto de este rótulo, que terá relevância política, não lhe advir de ascendentes africanos escravos moderou os sectores mais racistas (negros e brancos), moderação que terá tornado possível a sua eleição. Um dos receios dos seus estrategas é que fosse considerado demasiado negro para os brancos e demasiado branco para os negros. Obama é o primeiro presidente afro-americano e é, no entender de muitos analistas, o máximo que os americanos seriam capazes de tolerar, nesta fase — mesmo que surpreendente para muitos.
O presidente eleito considera-se, também, e ao mesmo tempo, o mais legítimo dos americanos e a antítese do americano típico. Antítese do americano porque tem mundo, isto é, viveu grande parte da sua vida fora do país, tem um conhecimento alargado de geopolítica e conhece bem o que é a globalização: tem seis meios-irmãos e outros familiares, “que vivem em três continentes diferentes, e — assim disse — são de todas as cores e raças”. Legítimo porque só os Estados Unidos da América, a terra da oportunidade, dariam a uma pessoa como ele a hipótese de ser presidente do Governo federal.
È unânime a convicção de que seria impossível haver momento mais difícil para assumir o comando da maior potência económica e politica do mundo do que o presente. O modelo económico neo-liberal e capitalista que a Europa e a América têm adoptado demonstrou ter grandes fragilidades. Por outro lado, em termos geopolíticos o mundo ocidental precisa de uma nova liderança. Trata-se de questão de resolução urgentíssima. Não precisará de ser Obama a desempenhar essa liderança, mas é preciso que a presidência americana ajude e não obstaculize… São necessárias uma atitude e medidas que contribuam para a resolução dos problemas da ocupação iraquiana e da ocupação afegã, que, pelo menos, atenuem os conflitos israelo-palestiniano e sudanês, que estabeleçam novas pontes com o Irão, com a Coreia do Norte, com a América-Latina. E que, acima de tudo, contenham significativas formas de apoio à reforma da ONU, nomeadamente no que diz respeito às mudanças no Conselho de Segurança e ao papel das economias emergentes — como o Brasil e a Índia — no concerto das Nações.
Tem também grande relevância a mudança que, com Obama, já se produziu nos Estados Unidos da América e na Política. Quando no mundo ocidental se atingem níveis baixíssimos de participação politica, Barack Obama consegue bater recordes de participação eleitoral. Votaram cento e trinta milhões de pessoas, número de que faz parte um aumento nos níveis de participação só comparável ao verificado em 1920, quando as mulheres passaram a votar. Os Estados Unidos da América atravessam uma crise económica só comparável à de 1929, a Grande Depressão, mas, apesar disso, a campanha de Obama conseguiu angariar um volume recorde de fundos e fazer nascer o maior movimento de cidadãos da história politica americana. Para o ajudar voluntariou-se um milhão e meio de pessoas. Pessoas que se organizaram, que bateram de porta em porta, e que, recolhendo mesmo donativos individuais de cinco e de dez dólares, conseguiram a maior angariação de fundos de qualquer outra campanha política americana.
Como é que Obama conseguiu isto? Aí está uma resposta que, certamente, todos os outros líderes políticos gostariam de ter. Obama elegeu a Saúde, a Educação e a Energia como áreas prioritárias da sua acção. E provavelmente os americanos concordaram com ele. Mas, acima de tudo, Barack Obama quis chegar ao coração dos americanos e apresentar-lhes a promessa política primitiva, elementar, original, a mais simples de todas: A esperança de que melhores dias virão. Promessa cuja concretização começa com a sua eleição, que é, acima de tudo, sinónimo de mudança. Mas Obama foi mais longe, apresentou a ideia de que a mudança não está em si, eleito, mas nos outros, nos eleitores. Ou seja, a mudança não está no facto de o eleito ser negro, de ser convincente na sua aparente sinceridade, no facto de parecer confiável. A mudança está no facto de as pessoas o seguirem. Obama recorreu ao mito fundador dos Estados Unidos da América para galvanizar as pessoas: o protagonista da mudança é o génio americano não é o seu líder. O protagonista é o indivíduo e aquilo que o conjunto de indivíduos é capaz de fazer e não a liderança. Por várias vezes e nos mais entusiásticos discursos, Obama citou Lincoln e Kenedy — mais do que Luther King — e lembrou o documento fundador dos Estados Unidos, a constituição americana, que começa com a esclarecedora frase: “Nós, o Povo, (…) estabelecemos…”.
Como é que Obama conseguiu convencer a maior parte dos americanos a confiar-lhe a liderança daquela que é a maior potência económica e politica do mundo e a incumbência de a tirar da crise? Falou de Mudança, de Esperança e pôs milhões de pessoas a gritar: “Sim, nós podemos!”. Acreditamos que possa ter sido com isso.

Editorial do Jornal da Mealhada de 12 de Novembro de 2008