[546.]
Política sem ideologia

Acompanhar a vida interna de uma força política como o Partido Social-Democrata revela-se tão importante como acompanhar a acção de um Governo. Mesmo que este Governo seja de outro partido. O funcionamento dos principais partidos da oposição e as opções tomadas pelos seus militantes e pelas suas lideranças condicionam de tal modo a vida política nacional que é fundamental saber-se que rumo tomam, o que defendem e que plano alternativo estão a construir.
No discurso de encerramento do XXXI Congresso Nacional do PSD, realizado em Guimarães, no fim-de-semana de 21 e 22 de Junho de 2008, a nova líder, Manuela Ferreira Leite, abriu a campanha eleitoral para as eleições legislativas que se realizarão na Primavera ou no Outono de 2009 — decorreriam em Outubro de 2009 mas há quem coloque a hipótese de o primeiro-ministro preferir uma antecipação para Abril de modo a não coincidirem com as eleições autárquicas, que, segundo a lei, se realizarão em Outubro.
Manuela Ferreira Leite procurará aproveitar o estado de graça em que se encontra, resultante da eleição como líder do partido, para melhorar a imagem que os portugueses têm do partido e só depois apresentar um programa alternativo ao do Partido Socialista, com ideias e soluções diferentes para a governação, que muitos consideram que não tem. Se for verdade que tem não o mostrou. Justifica-se, então, a dúvida de que a eleição de Ferreira Leite poderá adiar a resolução de um problema que deve preocupar os portugueses. Trata-se do problema da afirmação ideológica do PSD. Um problema que pode modificar, completamente, a lógica democrática do sistema político português.
Desde sempre o PSD, primeiro com o nome de PPD e depois com o de PPD/PSD, teve problemas de definição ideológica. Nunca foi, verdadeiramente, um partido social-democrata, e nem a tentativa de Sá Carneiro de enunciar os princípios de uma social-democracia portuguesa, ou a hipótese de inscrever o partido na Internacional Socialista resolveram a questão. O partido, graças ao carisma dos seus líderes, tornou-se, logo em 1976, um partido de massas, e foi devido à influência desse carisma e das perspectivas ideológicas dos líderes que se foi tornando naquilo que, em ciência política, se chama um partido catch all, isto é, um partido em que convivem liberais, populistas, conservadores, democratas-cristãos, keynesianos, socialistas, entre muitos outros.
Quando o partido foi dirigido por Cavaco Silva, keynesiano e pragmático, o PSD defendia um Estado interventivo no investimento, com a execução de um conjunto alargado de obras públicas. Quando procurou diminuir o papel do Estado, e rever a tabela de preços das portagens na Ponte 25 de Abril ou aumentar as propinas dos estudantes do Ensino Superior Público, por exemplo, teve muito problemas. Em 1992, dezoito anos depois da sua fundação, foi revisto o seu programa político do PSD, mas a ideologia do partido já era, na prática, e continuou a ser, a ideologia do líder.
À medida que foi mudando de liderança foi mudando de ideologia. Não imediatamente com Fernando Nogueira, mas logo depois, com Marcelo Rebelo de Sousa e a reedição da AD, a Alternativa Democrática — uma solução impensável para Cavaco, por exemplo.
Durão Barroso, que disse não fazer mais investimento público enquanto houvesse pobres em Portugal, demarcou-se, também, das anteriores lideranças, enunciou princípios de choque, tornou-se primeiro-ministro, sem estar para isso preparado, e, acabou por formar governo à direita. Depois da “fuga” para Bruxelas, foi nomeado primeiro-ministro Santana Lopes, também ele impreparado, que procurou dar ao Governo um estilo mais a seu gosto pessoal, mas, em seis meses, pouco pôde fazer.
Acompanhando as lideranças mais recentes, regista-se a de Marques Mendes, que declarou ser contra o investimento em obras públicas de vulto e defendia a baixa imediata dos impostos. Luís Filipe Menezes defendia exactamente o contrário: considerava as obras públicas como motor da salvação económica do país e considerava, também, que havia falta de condições para descer impostos. Pelo que já ouvimos de Ferreira Leite parece-nos que a antiga ministra das Finanças tem a opinião de que não se pode avançar com a baixa de impostos… nem há dinheiro para grandes obras públicas. Em conclusão, nos últimos doze meses o PSD teve três líderes diferentes, que defendiam três modelos de desenvolvimento ideologicamente diferentes e, até, contraditórios.
Os militantes do PSD escolhem os líderes que entendem ser melhores para conquistar o poder e governar o país. Fazem-no conscientemente, disso não há dúvidas. E abdicam, até, de averiguar qual o programa que esses líderes têm para solução dos problemas da Nação. Assim aconteceu com Ferreira Leite. Estão, desse modo, mais sensíveis, mais vulneráveis à demagogia e susceptíveis de golpes carismáticos e de retórica política.
O PS funciona de modo diferente. Tem, mais ou menos institucionalizado, um direito de tendência ideológica — com os socialistas tradicionais, que estão mais próximos do PCP e do BE (como Alegre e Soares), com os católicos progressistas (como os guterristas e Maria do Rosário Carneiro, Matilde Sousa Franco, por exemplo) e com os da Terceira Via (de que Sócrates faz parte).
E enquanto, no PSD, as tendências forem pessoais, e resultarem da simpatia por putativos candidatos à liderança, não sendo, portanto, ideológicas, o risco de descaracterização na área das ideologias permanecerá. Negar-se-ão, assim, os princípios fundamentais da política clássica, não se saberá que modelo de desenvolvimento tem o partido… E poderá saber-se, ou não, o que defende o líder… Que, se ganhar a eleição legislativa, poderá levar o partido para onde quiser, sem ninguém saber muito bem para onde. E isso pode prejudicar gravemente o país. O PSD será imune a isso enquanto estiver Ferreira Leite na liderança? E depois disso?
Editorial do Jornal da Mealhada de 25 de Junho de 2008