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Especialidades e especialistaA Educação é um direito dos povos e uma obrigação do Estado. Este deve promover, por isso, o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens, criando para tal as devidas condições. O Estado deve disponibilizar recursos no sentido de a todos os jovens e crianças serem dadas oportunidades e condições de aprendizagem, de aquisição de conhecimento, de experimentação, de vivências formativas, de saber. Estas oportunidades permitirão que, ao longo da vida, as pessoas possam definir o seu percurso da forma mais próxima possível dos seus interesses e das suas vocações, e nele caminhar. Considera-se que as pessoas são mais felizes se trabalharem no que realmente gostam.
É pacifico considerar-se, também, que a economia global exige, e exigirá ainda mais no futuro, que os trabalhadores sejam versáteis, tenham competências variadas, sejam capazes de, ao longo da vida, realizar tarefas de tipos diferentes.
Estará o Estado português a agir de acordo com o que expusemos? Nas famílias, o incentivo e às crianças e aos jovens e a correspondente orientação irão neste sentido?
O Governo alargou o ensino do Inglês e da Música, e a prática desportiva ao primeiro ciclo do ensino básico, embora tais actividades não sejam curriculares nem abranjam ainda todos os estabelecimentos de ensino desse nível. Trata-se de boas medidas. No entanto, nos ciclos seguintes do ensino básico e no ensino secundário, passa-se o inverso. A oferta pedagógica está a estreitar-se e as opções disponíveis são cada vez em menor número. O ensino das artes, por exemplo, passou a ser facultativo, opcional. Mesmo os alunos que optaram por fazer esta aprendizagem dispõem apenas de noventa minutos lectivos semanais para isso.
Mesmo no ensino superior — parte dele ainda se chama universitário porque visa a aquisição do conhecimento universal — o esforço de especialização é notório. Há Engenharia do Papel, e Engenharia da Madeira, por exemplo, licenciaturas que, como outras, preparam os alunos apenas para o desempenho de tarefas irredutivelmente especificas. E, consequentemente, limitam o campo de acção dos profissionais dessas áreas.
As famílias, por outro lado, incentivam os jovens a, depois de um bom percurso escolar, escolherem áreas de maior prestigio social, com retribuições financeiras mais avultadas, ao contrário da sua vocação ou do seu gosto pessoal. Teremos cada vez mais pessoas a. desempenhar funções de relevante importância para o bem comum da sociedade mas a fazerem-no à margem da sua vocação e dos seus talentos naturais. Para outros alunos o incentivo da família vai no sentido de, ainda na escolaridade obrigatória, ou no equivalente ao ensino secundário, enveredarem por um caminho de especialização e formação profissional tendente à entrada próxima e preparada no mercado de trabalho.
A ideia de que a Educação que o Estado promove deve desenvolver-se no sentido exclusivo de capacitar os cidadãos para o exercício de uma profissão, de uma e de uma só, existe e, apesar de ser contraditória em relação às exigências do futuro, está a limitar as pessoas cada vez mais. Já temos hoje indivíduos que não sabem fazer operações matemáticas básicas, através de cálculo mental, porque, dizem eles, “são de letras”, pessoas que escrevem mal, ou não são capazes de interpretar um texto, “porque são de ciências”, que não sabem indicar para que lado é o norte, ou qualquer outro ponto cardeal, ou colateral, “porque não são de Geografia”.
O esforço de especialização está a gerar problemas graves, com consequências nefastas. Tomemos o seguinte exemplo: para entrar em Arquitectura uma pessoa precisará de Geometria Descritiva. Convém que tenha, também, conhecimentos de Matemática. De qualquer forma a Geometria Descritiva e a Matemática de que precisa obrigará o estudante a frequentar o curso cientifico. Curso esse que, por sua vez, manterá este estudante afastado de qualquer disciplina de formação artística, de desenvolvimento de capacidades estéticas, bem como de disciplinas como a História da Arte, quanto a nós absolutamente fundamental para o exercício da profissão de arquitecto. De quem é a culpa? São as próprias universidades a exigir aos candidatos cada vez mais especialização em determinadas disciplinas, acreditando que no ensino secundário os alunos receberam ensino diversificado. São os próprios alunos a exigir um ensino utilitário, a esperar que lhe ensinem só o que verdadeiramente interessa para exercer uma profissão no futuro.
O caminho da Educação exclusivamente utilitária está a remeter o ensino da Arte em Portugal para um nível subterrâneo. Ao afastarmos os nossos alunos da Arte, do sentido da beleza, da cultura estética, estamos a criar pessoas desprovidas de capacidades fundamentais. Estamos a prejudicá-las e, em consequência, toda a sociedade, severamente.
Numa breve e interessante conversa com uma pessoa que se interessa bastante por este assunto, perguntávamos se teríamos todos a noção da agressão que estamos a promover, da espoliação da felicidade das pessoas que estamos a tolerar. Foi-nos respondido que, provavelmente, estas gerações que viverão longe da Arte, porque ela não é útil, nunca se aperceberão do que perderam e viverão felizes na sua ignorância.
Convencidos de que tal estado de coisas não deve manter-se e de que assiste à escola a obrigação de promover uma formação integral dos alunos, a Escola Secundária da Mealhada e a Escola Básica 2,3 da Mealhada decidiram promover um concurso artístico destinado aos seus alunos. Os trabalhos que resultaram desse concurso estão expostos no cineteatro Messias, na Mealhada, até 21 de Março. Uma exposição com peças de grande qualidade, de bom nível estético e técnico, tendo em atenção a idade dos criadores. É uma réstia de esperança. Esperamos mais iniciativas do género. Elas serão um meio de colocar a Arte nas escolas públicas portuguesas. in Editorial do Jornal da Mealhada de 19 de Março