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Tempo de dizer BASTA!
Cento e cinquenta pessoas entenderam manifestar a sua indignação frente às instalações da fábrica de óleos alimentares Alcides Branco & C.ª, SA, na Lameira de Santa Eufémia, no sábado, 3 de Novembro, por causa da poluição produzida, alegadamente, por esta fábrica.
Será este o número de pessoas prejudicadas pela acção daquela empresa? Serão mais? Serão menos?
Entendo, no entanto, que só quem estiver interessado em desacreditar a causa e servir os interesses dos prevaricadores é que pode classificar o número de manifestantes de pouco expressivo, não significativo ou reduzido. Estar a dissecar o nome (e as razões) das ausências mais sonantes – de personalidades detentoras de cargos públicos relevantes – é um esforço despropositado de quem não assume estar do lado dos interesses da empresa contra o interesse público.
Maus cheiros, poluição da água da ribeira da Vacariça, ruídos excessivos e desrespeito pelas pessoas eram razões de queixa que se somavam. Delas, porém, só se ouvia falar, até agora, ‘à boca pequena’, entre o povo, e nas reuniões da Câmara Municipal da Mealhada. A elas se referiam, com frequência, comunicados desta autarquia, alguns blogues locais e o Jornal da Mealhada.
Contrariamente ao que seria politicamente correcto afirmar, entendo que a Câmara Municipal da Mealhada, dentro do estilo de governação impresso pelo presidente – estilo que não contesto apesar de nem sempre concordar – , tem feito todo o esforço de pressão que pode.
Não deixa de ser curioso que se conteste a alegada inacção da Câmara e ao mesmo tempo se critique o facto de a autarquia não autorizar a ligação das wc da empresa ao saneamento básico, não autorizar a construção de um novo pavilhão e não ter autorizado a construção de um pavilhão que entretanto já lá está. Importa, a este propósito, acrescentar que seria impensável alguém pôr a hipótese de ligar os detritos da produção ao saneamento básico, como os administradores da empresa pretendem fazer crer ao enunciarem a ligação ao saneamento como alternativa à descarga para a ribeira.
Sobre o mérito da promoção da luta e alerta deste problema cumpre-me acrescentar que é devida uma palavra à Associação de Jovens Cristãos de Luso, à Comissão Política da Juventude Social-Democrata do concelho da Mealhada (principalmente nos mandatos de Luís Brandão e Bruno Coimbra), e ao deputado nacional (à altura) Gonçalo Breda Marques – que era também presidente da comissão política concelhia do PSD da Mealhada. Foram também personagens importantes no alerta deste problema, desde o inicio, que importa identificar. Lamentavelmente entendo que a posição do PSD, nesta matéria, retrocedeu, desde essa altura.
Duas licenças da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) provocaram, no entanto, a indignação dos agricultores da zona, que se mobilizaram, por iniciativa da Junta de Regantes do Luso-Vacariça, que convocou a manifestação. Uma das licenças autoriza a empresa a retirar da ribeira mil e quinhentos metros cúbicos de água e outra autoriza a descarga final, na mesma ribeira, de resíduos da produção, depois de devidamente tratados.
As duas licenças são, parece-nos, surreais.
Uma delas, porque autoriza a extracção de um volume de água que não corre — diremos que infelizmente — naquela ribeira. Dizem os responsáveis da empresa — para justificar a autorização — que se trata de uma renovação (tácita?) de uma licença de 1961. De qualquer maneira é ridículo um organismo do Estado autorizar o impossível. Estaria, com isto, a autorizar que a empresa extraísse água a jusante do furo pago pelos agricultores, com a ajuda da Câmara? Furo mandado fazer porque a água que corre na ribeira é insuficiente para a rega dos campos cincundantes. Há quem diga que não… mas assim parece.
Conhecerá a CCDRC o estado em que está a ribeira — que, aliás, baptiza com o nome de Rio Luso? Certamente que não, como não conhecerá o estudo da água premiado pela Fundação Ilídio Pinho. Caso contrário não poderia autorizar, com a segunda licença, a descarga dos produtos finais do tratamento dos resíduos…
Conhecerá a CCDRC o estado em que está a ribeira — que, aliás, baptiza com o nome de Rio Luso? Certamente que não, como não conhecerá o estudo da água premiado pela Fundação Ilídio Pinho. Caso contrário não poderia autorizar, com a segunda licença, a descarga dos produtos finais do tratamento dos resíduos…
É lógico que a CCDRC determina que a descarga autorizada é o resultado de “um pré-tratamento que consiste numa separação de gorduras, seguida de um tratamento biológico de oxidação total por lamas activadas em baixa carga e em regime sequencial (separação temporal das fases de arejamento, decantação e extracção do efluente tratado), com descarga final no Rio Luso”. Mas só se a empresa fosse pessoa de bem e se não tivesse já uma prática reiterada de poluição para aquela ribeira (ou será Rio) é que acreditariamos que antes de fazer as descargas se iria dar ao trabalho de proceder a este processo de tratamento dos resíduos.
Nesta segunda licença é referido que a empresa tem três torres de refrigeração a funcionar. A verdade é que, para já, só tem duas… São pormenores intoleráveis para a entidade da administração central que tem a responsabilidade de salvaguardar o interesse público, neste domínio. E assiste a todas as pessoas o direito à indignação quanto a um comportamento irresponsável da parte do Estado.
Circulou entre os manifestantes, ao que julgamos saber, a sugestão de promover nova manifestação, desta vez junto das instalações da CCDRC, em Coimbra. Parece-nos razoável e até conveniente.
A manifestação de 3 de Novembro pode não ter sido organizada com a perfeição observada em outras acções contestatárias mas teve muitos méritos:
– Em primeiro lugar, no nosso entender, o de obrigar as pessoas a darem a cara. Da contestação anónima, à boca pequena, passou-se à contestação que tem corpo, em que se vêem os seus autores, passou-se à contestação de quem dá a cara.
– Em segundo lugar, teve o mérito de obrigar os partidos políticos, e algumas instituições concelhias, a tomarem posição, a mostrarem de que lado estão e que interesses preferem. Nos últimos meses não tem sido claro o que pensam as comissões concelhias dos partidos políticos com representação municipal. No dia 3 de Novembro todos os líderes partidários concelhios lá estiveram (até os do BE), do lado de fora da fábrica. Com alguma demagogia? Com alguma hipocrisia misturada?
Numa altercação que tive, pessoalmente, com um cidadão que se assumiu – felizmente – como funcionário da empresa e, por conseguinte, parte interessada, ouvi-o dizer: “Os tipos do PSD não estão cá. Eles estão do lado da empresa”. Foi Mário Pedrosa, que estava ao meu lado, quem o informou de que estavam na manifestação Carlos Marques e Gonçalo Breda Marques, para além de outros dirigentes do partido. Tudo isto para dizer que, pese embora o esforço dos dirigentes social-democratas em terem uma posição suficientemente equidistante entre o mérito da empresa e a luta da Câmara, a verdade é que para o cidadão comum, anónimo, a posição do PSD da Mealhada desaguou num apoio à empresa. Empalearam… e isso deu mau resultado!
O PS, também, teve sempre, ao longo deste processo, uma posição dubia. Recorde-se o teor do comunidado que difundiu com as conclusões da reunião da comissão política de Setembro. Teve, nessa altura uma posição salomónica em que ameaçava a empresa, dizia que a Câmara já tinha feito muito, poderia fazer mais e algo teria de mudar, sem dizer exactamente o quê.
– Em terceiro lugar, no calor da discussão, houve o mérito de deixar claro que quem ali apresentou a sua indignação nada tem contra a fábrica como unidade produtiva, nada tem contra as pessoas que lá trabalham e ali têm o seu meio de subsistência. Parecerá óbvio, a nós, pelo menos, que a localização da fábrica no centro da aldeia não é a ideal, nem sequer razoável. Mas nem por isso a resolução desta falha é uma reinvindicação.
A única reinvindicação de quem ali se manifestou é, assim pensamos, a resolução das falhas técnicas que provocam os maus cheiros, o ruído excessivo e a poluição da ribeira da Vacariça. Falhas que a própria administração da empresa reconhece existirem e que vai prometendo – há tempo de mais – resolver.
A administração da empresa demonstra entender que, em nome da economia e do desenvolvimento económico, há sacrifícios que a comunidade tem de aceitar com resignação. A comunidade, ou as pessoas que ali se manifestaram, demonstram entender, por sua vez, que a saúde, o bem-estar e o turismo são mais importantes, que a paciência e a boa fé se esgotaram e que a (in)acção da empresa é já uma forma de desrespeito.
A empresa em causa tem um volume de negócios considerável, faz a transformação, num outro produto de consumo, daquilo que, para muitos, é considerado um resíduo, e surge no mercado, com valor acrescentado, para exportação.
Tem quotas de mercado muito significativas no mercado de óleos alimentares nos países do sudeste asiático, por exemplo.
Isso é importante. Mas é exactamente por isso que a uma empresa dessa dimensão é exigível que cumpra a sua responsabilidade social e tenha um comportamento correcto na comunidade onde está instalada. Isso, porém, não se tem verificado.
A cidadania exerce-se em muitos momentos e de várias maneiras. Estes actos, de exercício do direito à indignação, são também importantes momentos de civismo e de demonstração de maturidade democrática — o comportamento dos manifestantes foi exemplar, apesar das provocações…
Terminaram os silêncios. Com esta manifestação terá a luta apenas começado?
NOTA: Demorei uma semana e um dia a colocar um post prometido. Fi-lo de propósito, para demonstrar que quem espera desespera… esperava no entanto maior indignação dos leitores este blogue… Também a eles lhes assitia o direito de dizer que bastava de promessas!