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Notas sobre a Europa e o Tratado Reformador II
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Claro que sou a favor de um referendo europeu!
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Os chefes de Estado e de Governo da União vieram para Lisboa com a lição estudada e só faltava acertar pormenores de mercearia fina, passe a expressão. À boa maneira portuguesa, as negociações terminaram à mesa do jantar e os festejos foram regados com espumante. Os italianos queriam mais um deputado. Como ninguém cedia uma cadeira, mandaram vir mais cadeiras, e o presidente do Parlamento Europeu deixa de ser eurodeputado… Os búlgaros queriam que nas notas de euro as palavras aparecessem também em cirílico, o alfabeto que utilizam, e conseguiram. Os polacos, nas vésperas da derrota eleitoral do gémeo primeiro-ministro, foram os únicos a colocar em causa os mecanismos de votação e as minorias de bloqueio das decisões, e levaram a sua avante. Os ingleses, franceses e alemães ajudaram Sócrates e não obstaculizaram.
Dizem os entendidos que este tratado é, em noventa por cento, igual à Constituição Europeia, reprovada por franceses e holandeses. A diferença está, em parte, nos pormenores. A carta de direitos fundamentais passou a ser um anexo do tratado, já não há hino nem bandeira consagrados neste tratado. A diferença maior é que, agora, há um acordo entre os líderes europeus no sentido de nenhum dos países referendar este tratado – a excepção é a Irlanda, que a isso é obrigada pela sua constituição. Bastaria um país recusar a ratificação para que o tratado fosse inviabilizado. Esse acordo é, no nosso entender, e para todos os efeitos, uma falta de respeito aos cidadãos europeus.
Portugal faz parte da comunidade que é hoje a União Europeia desde 1985. Nunca foi perguntado aos portugueses o que achavam da ideia. É certo que o referendo só existe em Portugal há relativamente pouco tempo. Gradualmente fomos abdicando de alguns aspectos da nossa soberania em nome da União Europeia e nunca nos perguntaram se aceitávamos isso. Chegámos a alterar a nossa Constituição para poder acolher a ratificação do Tratado de Maastricht.
Poderá dizer-se que, nas eleições legislativas e presidenciais – afinal é o Presidente da República quem marca o referendo –, os candidatos manifestam o seu entendimento quanto às questões europeias e quanto à realização, ou não, de um referendo sobre a integração europeia. Acontece que tanto o PS como o PSD, como o CDS, declararam em 2005, que defendiam a realização de um referendo e agora entendem o contrário. O PSD tem até uma deliberação unânime e recente do Conselho Nacional do partido, que defende o referendo. Em política, no entanto, como no futebol, o que já foi verdade agora é mentira. E, ao que parece, os Portugueses estão, uma vez mais, arredados do debate.
Alguém, no futuro, lembrar-se-á de dizer que a população portuguesa está cada vez mais arredada da vida política e dos actos eleitorais, nomeadamente nas eleições europeias. Lembrar-se-á, deste momento, ditado pelo receio de que o povo assumisse uma posição que pusesse em causa o acordado entre os líderes? Haverá um dia em que os Portugueses poderão dizer, definitivamente, que já não querem fazer parte da União Europeia? Dizia Marcelo Rebelo de Sousa, na televisão, que esse momento chegará quando se acabarem os fundos estruturais. Terá razão?
Ao tomarem a decisão de não levarem a referendo este tratado, com a desculpa de que não se trata de um texto constitucional, os líderes europeus prejudicaram severamente, na nossa opinião, o futuro da construção europeia. Os europeus poderiam não estar habilitados a pronunciar-se sobre um texto que foi o resultado de um complicado jogo de conquistas e cedências, mas, assim, excluídos do processo, eles não deixarão de contribuir para o que parece inevitável: a União Europeia pode não ser uma aliança, será, com certeza, uma união, mas não poderá ser nunca uma democracia.
A constituição americana começa com a expressão “We, the people” – Nós, o povo. Pode não ser uma constituição, mas o Tratado de Lisboa – este especialmente, dado o acordo do não referendo – bem poderia começar com as palavras “Só nós, os políticos”.
Dizem os entendidos que este tratado é, em noventa por cento, igual à Constituição Europeia, reprovada por franceses e holandeses. A diferença está, em parte, nos pormenores. A carta de direitos fundamentais passou a ser um anexo do tratado, já não há hino nem bandeira consagrados neste tratado. A diferença maior é que, agora, há um acordo entre os líderes europeus no sentido de nenhum dos países referendar este tratado – a excepção é a Irlanda, que a isso é obrigada pela sua constituição. Bastaria um país recusar a ratificação para que o tratado fosse inviabilizado. Esse acordo é, no nosso entender, e para todos os efeitos, uma falta de respeito aos cidadãos europeus.
Portugal faz parte da comunidade que é hoje a União Europeia desde 1985. Nunca foi perguntado aos portugueses o que achavam da ideia. É certo que o referendo só existe em Portugal há relativamente pouco tempo. Gradualmente fomos abdicando de alguns aspectos da nossa soberania em nome da União Europeia e nunca nos perguntaram se aceitávamos isso. Chegámos a alterar a nossa Constituição para poder acolher a ratificação do Tratado de Maastricht.
Poderá dizer-se que, nas eleições legislativas e presidenciais – afinal é o Presidente da República quem marca o referendo –, os candidatos manifestam o seu entendimento quanto às questões europeias e quanto à realização, ou não, de um referendo sobre a integração europeia. Acontece que tanto o PS como o PSD, como o CDS, declararam em 2005, que defendiam a realização de um referendo e agora entendem o contrário. O PSD tem até uma deliberação unânime e recente do Conselho Nacional do partido, que defende o referendo. Em política, no entanto, como no futebol, o que já foi verdade agora é mentira. E, ao que parece, os Portugueses estão, uma vez mais, arredados do debate.
Alguém, no futuro, lembrar-se-á de dizer que a população portuguesa está cada vez mais arredada da vida política e dos actos eleitorais, nomeadamente nas eleições europeias. Lembrar-se-á, deste momento, ditado pelo receio de que o povo assumisse uma posição que pusesse em causa o acordado entre os líderes? Haverá um dia em que os Portugueses poderão dizer, definitivamente, que já não querem fazer parte da União Europeia? Dizia Marcelo Rebelo de Sousa, na televisão, que esse momento chegará quando se acabarem os fundos estruturais. Terá razão?
Ao tomarem a decisão de não levarem a referendo este tratado, com a desculpa de que não se trata de um texto constitucional, os líderes europeus prejudicaram severamente, na nossa opinião, o futuro da construção europeia. Os europeus poderiam não estar habilitados a pronunciar-se sobre um texto que foi o resultado de um complicado jogo de conquistas e cedências, mas, assim, excluídos do processo, eles não deixarão de contribuir para o que parece inevitável: a União Europeia pode não ser uma aliança, será, com certeza, uma união, mas não poderá ser nunca uma democracia.
A constituição americana começa com a expressão “We, the people” – Nós, o povo. Pode não ser uma constituição, mas o Tratado de Lisboa – este especialmente, dado o acordo do não referendo – bem poderia começar com as palavras “Só nós, os políticos”.
in Editorial do Jornal da Mealhada 24.10.07