Os blogues e o exercício da liberdade
A decisão de os responsáveis do Ministério da Administração Interna (MAI) criarem um blogue (em http://opiniao.mai-gov.info/) para responder, em tempo real e sem intermediários, a quem os critica, será, com certeza, um facto digno de realce. Recordamos que o ministério de António Costa já tinha página na Internet e vai mantê-la. O cibernauta secretário de Estado José Magalhães, um dos primeiros deputados a ter e-mail, apressou-se a explicitar à comunicação social o objectivo da criação do blogue, escusando-se, no entanto, a explicar por que não são admitidos comentários aos textos publicados e a dizer se a medida tornará dispensáveis os funcionários das assessorias de imprensa do ministério.
Alguns leitores estarão a perguntar: Mas o que é um blogue? Conforme nos diz o portal SAPO, “um blogue é um registo cronológico, e frequentemente actualizado, de opiniões, emoções, factos, imagens ou qualquer outro tipo de conteúdo que o autor ou autores queiram disponibilizar na Internet”. Um blogue acaba, pois, por ser uma espécie de diário virtual, publicado na Internet, que, para além de textos, pode conter sons e imagens — desenhos, fotografias, vídeos…
Se um blogue é uma página na Internet, que interesse terá uma entidade como o MAI em possuir as duas ferramentas? Não será esta uma pergunta interessante? “A diferença entre um blogue e uma página situa-se não só na área técnica mas também na área filosófica”, garantem os editores do portal SAPO. “Tecnicamente um blogue dispõe de uma ferramenta de edição que permite a qualquer leigo colocar de imediato os seus conteúdos online (em linha) e actualizá-los sempre que entender, sem precisar de saber absolutamente nada de programação. Filosoficamente, o blogue difere de uma página pessoal na medida em que as actualizações são muitíssimo mais frequentes do que as que são habitualmente feitas a uma página pessoal, e porque tem um conceito cronológico associado”, salienta o portal referido.
Para muitas pessoas o blogue está associado a uma espécie de espaço de opinião in extremis, o local onde absolutamente tudo pode ser dito impunemente e com a faculdade do direito de resposta em tempo real. Acresce a isto o facto de um número significativo de blogues (no nosso concelho são mesmo muitos) conter textos anónimos ou assinados por pseudónimos que nem os administradores do blogue conhecem. O Ministério da Administração Interna veio, de alguma forma, contribuir para que esta ideia vingue, na medida em que o ministro, que assina grande parte dos textos publicados no blogue, despe a pose de Estado (na blogosfera discute-se se a palavra não deveria ser escrita com minúscula), para ajustar contas na rua, no mesmo patamar onde se fazem as críticas. É a prova de que os políticos do séc. XXI vão governar ao ritmo de gestos para a televisão, de frases feitas e de soundbytes?
Um blogue é um projecto muito interessante mas também muito arriscado. Sendo um espaço de liberdade, que veio revolucionar a Internet e a sua influência na sociedade, veio colocar em questão o futuro da comunicação social tradicional (imprensa, rádio e televisão). Podem os jornalistas ter blogues? Que diferenças se impõem nos textos de um mesmo autor escritos em meios tão diferentes? Onde entra a deontologia? Deve o jornalista divulgar a sua opinião relativamente a assuntos, entidades ou pessoas sobre os quais poderá ter de vir a escrever e intermediar? Que responsabilidades advêm para quem escreve num blogue? Eis perguntas a que não se sabe responder. Um blogue pode ser também um espaço de vingança, de manipulação, de boato e de insulto…
A beleza da liberdade passa pelo risco que a ela está associada. Vivemos a nossa liberdade, com alguma ingenuidade, na esperança de que não estejamos a agredir, nem sejamos agredidos. Um blogue, sendo um exercício de liberdade, deve ter alguma ingenuidade. Daí que, apesar de tudo, não faça sentido editar um blogue onde os leitores não possam deixar comentários, onde os comentários possam ser manipulados, onde o critério seja obscuro.
(Este texto foi publicado, como Editorial, no Jornal da Mealhada de 21 de Março… Não é assim que deve ser(e já é a terceira vez que o faço!). Em última análise um Editorial não é um artigo de opinião… De qualquer forma, tendo sido um Editorial que nasceu no projecto de um post para este blogue, aqui fica. Como fica um pedido de desculpa ao Jornal, aos leitores e à Deontologia!)
Quero ver se este comentário é publicado.
Mete o dedo no cu e depois chupa-o.